Título: Lula não vota na eleição do PT e marca distanciamento do partido
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2005, Nacional, p. A4

Foi o dia de medir o tamanho da crise no partido do governo. Nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, compareceu ontem à sede do PT para escolher a nova cúpula petista. Na eleição marcada para renovar as direções do PT em todo o País, com 825.461 filiados aptos a votar e sem militantes nas ruas, a ausência de Lula ¿ fundador do partido ¿ foi o símbolo do clima de desencanto. Com uma disputa de resultado imprevisível, o Campo Majoritário, grupo do presidente, enfrenta seu grande teste nas urnas depois de 10 anos de hegemonia e do escândalo do mensalão, que há mais de cem dias vem destronando dirigentes do PT e do governo. Na noite de ontem, o comando petista já dava como praticamente certo um segundo turno, no dia 9 de outubro. A dúvida era com qual nome da esquerda o candidato do Campo, deputado Ricardo Berzoini (SP), iria disputar o novo round. Mesmo apreensivo com os rumos do PT, Lula desistiu de votar na última hora, em São Bernardo do Campo, para mostrar que não pretende se envolver com o embate interno. Na prática, quer indicar o distanciamento entre governo e partido. No Palácio do Planalto, Lula chegou a dizer, em conversas reservadas, que o PT errou ao não adiar a eleição diante da enorme crise política.

¿O presidente está mais preocupado com o futuro do PT do que com a eleição interna¿, admitiu o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Jaques Wagner, que votou ontem em Berzoini. ¿A pergunta do Lula sempre é: como pôde acontecer isso com o partido que ajudamos a criar?¿ Para Wagner, o debate no PT foi ¿engessado¿ e acabou perdendo espaço para ¿disputas de mandato e da máquina partidária¿.

A direção que for escolhida agora é a que comandará a provável campanha para a reeleição de Lula, em 2006. O resultado da apuração deverá ser conhecido em uma semana. Dos sete candidatos que concorrem à presidência do PT, cinco são das alas radicais. Defendem mudanças drásticas na política econômica e o fim das alianças com partidos de centro-direita. A esquerda acredita que o Campo Majoritário, hoje no comando de 60% dos cargos petistas, perderá a hegemonia.

Terceiro nome indicado para representar o Campo ¿ ocupando na chapa a vaga do presidente interino do PT, Tarso Genro, que se desentendeu com o deputado José Dirceu (SP), e, antes, o lugar de José Genoino ¿, Berzoini tentou amenizar a ausência de Lula. ¿Foi uma escolha dele e não vou julgar, mas é claro que eu gostaria que ele tivesse votado¿, afirmou o deputado, que foi ministro da Previdência e do Trabalho. O secretário de Mobilização, Francisco Campos ¿ coordenador da eleição ¿ adotou o mesmo tom. ¿Seria muito importante que Lula tivesse comparecido para ajudar a levantar o partido¿, disse.

BAIXAS

No tsunami que atingiu o PT depois de 25 anos de história,o deputado Dirceu ¿ presidente do partido de 1995 a 2002, comandante da vitória de Lula e ex- chefe da Casa Civil ¿ está hoje à beira da cassação na Câmara, acusado de ser o chefe do mensalão ¿ denúncia que ele nega. O ex-tesoureiro Delúbio Soares só não foi expulso ainda do PT porque conseguiu uma liminar na Justiça. Silvio Pereira, o secretário-geral que organizou a última eleição no partido, em 2001, teve de pedir desfiliação depois de receber um Land Rover de uma empresa que tinha contrato com o governo. E José Genoino, então presidente do PT, foi abatido em julho depois que um assessor de seu irmão, o deputado José Nobre Guimarães (PT), apareceu com US$ 100 mil na cueca.

¿Hoje sou apenas um militante¿, definiu um desolado Genoino, após votar, sem esconder o abatimento. Para Tarso, que deixou o Ministério da Educação para assumir o PT, a crise revelou ¿um processo de deformação¿ do partido após a chegada de Lula ao Planalto. ¿Agora, estamos pagando o preço e enfrentando uma campanha de demolição política¿, constatou.