Título: Os desafios do novo governo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/09/2005, Internacional, p. A12

O economista Hans Werner Sinn é o autor de um best seller insólito. No livro A Alemanha Ainda Pode Ser Salva? (Ist Deutschland noch zu retten?) , ele discorre sobre os desafios da sociedade alemã no século 21. Em vez de interessar meia dúzia de intelectuais, a obra de 496 páginas já está na nona edição e influencia o debate na Alemanha há dois anos. Sinn é professor da Universidade de Munique, mas foi como presidente do renomado Instituto de Pesquisa Econômica, conhecido pela sigla Ifo, que mudou o estilo das instituições de pesquisa na Alemanha. O Ifo deixou de fazer previsões para apresentar análises mais na linha dos centros de pesquisa americanos. Depois da mudança promovida por Sinn, outros órgãos alemães seguiram o mesmo rumo. Milagre econômico da Europa, a Alemanha surpreendeu o mundo ao desenvolver uma das maiores economias apenas 20 anos depois de ter sido destruída durante a 2.ª Guerra Mundial. Hoje, no entanto, o país enfrenta uma de suas piores crises em tempos de paz. Apesar de registrar nos últimos meses uma pequena recuperação econômica, o país apresenta um dos menores crescimentos de toda a Europa desde 1995 e uma taxa de desemprego que já atinge 11% da população. Casado com Gerlinde há 34 anos e pai de três filhos adultos, Sinn acha que dá para reverter essa situação. Confira abaixo a entrevista concedida por ele ao Estado. Um estudo recente feito pela Fundação Bertelsmann revelou que as reformas feitas pelo governo de Schroeder já começaram a apresentar resultados e que tudo é uma questão de tempo. O sr. concorda?

Foram feitas reformas importantes, em especial o corte da segunda faixa de seguro-desemprego. A primeira estabelece que o trabalhador desempregado ganhe 75% do seu antigo salário durante 32 meses. A segunda permitia que ele recebesse 60% do salário por um longo período. Isso mudou. Além disso, seria importante avançar mais. Mudar as regras de negociação de salário, permitindo que companhias não adotem o padrão salarial imposto pelo sindicato se a maioria dos empregados estiverem de acordo. Também precisamos de uma reforma nos impostos. A Alemanha tem um sistema tributário muito complicado. Precisamos de taxas uniformes e mais baixas. É difícil prever quando a Alemanha se recuperará, pois as forças da globalização são muito poderosas. Acredito que todos os países do Ocidente, especialmente os europeus, terão problemas com a competição de salários mais baixos de outros países. Portanto não é uma questão de retomar um crescimento acelerado. Acho que é melhor minimizar os problemas. Para absorver a China e a Índia, a economia mundial precisará de pelo menos uma geração.

A Alemanha tem hoje um dos menores crescimentos econômicos da Europa. O que causou isso?

O país foi atingido por cinco choques substanciais. A unificação alemã custa ao país muito dinheiro. Além disso, o euro ajudou aos demais países europeus pois baixou as taxas de juros para o nível alemão. Há também a concorrência da China, da Índia e dos novos países do leste europeu que acabaram de entrar na União Européia (UE). A queda da cortina de ferro aumentou a população que participa do mercado de trabalho na Europa. Os salários nos 10 países que acabaram de entrar na UE equivalem a apenas 13% dos salários da região oriental da Alemanha. Isso faz com que as empresas alemãs não queiram mais investir no país. Elas têm medo da competição de outros países e, por isso, passaram a investir no mercado externo. Os investimentos diretos feitos por empresas alemãs fora do país são enormes. O país tem a menor parcela de investimento líquido no PIB do que todos os outros países da OCDE.

Muitos argumentam que parte dos problemas econômicos atuais da Alemanha foi causada por um sistema de bem-estar social desproporcional. De acordo com esses críticos, os alemães se tornaram dependentes da ajuda do Estado. Como isso pode ser corrigido?

Precisamos de um sistema de bem-estar social parecido com o americano, onde o Estado dá dinheiro sob a condição de que o trabalhador esteja empregado. Ou seja, o Estado daria subsídios em vez de valores que substituem o salário. Isto ajudaria muito pois derrubaria o inflexível salário mínimo fornecido pelo sistema de bem-estar social. Até agora, a situação dos alemães desempregados era bem confortável, mas o peso do sistema de bem-estar social já começa a pesar no bolso dos contribuintes.

Qual é a origem desse sistema de bem-estar social?

No começo dos anos 70, quando a maior parte desses programas sociais foi criada, havia pouquíssima gente desempregada. Como a economia e os salários cresciam rapidamente, a diferença entre os 'com' e os 'sem' emprego era muito grande. Então, decidiu-se ajudar os menos favorecidos dando-lhes dinheiro mesmo que não trabalhassem. O problema é que essas poucas pessoas foram aumentando, aumentando e se tornaram uma questão grave. Hoje temos uma taxa de desocupação superior a 10%.

As regras salariais na Alemanha são extremamente rígidas, apoiadas por sindicatos fortíssimos. Em teoria, sindicatos fortes são benéficos pois asseguram condições de trabalho e salários justos. Mas no caso da Alemanha isto parece ter sido levado a um extremo. Por quê?

Os sindicatos alemães conseguiram imenso poder. Eles podem formar cartéis e estabelecer o mesmo salário para trabalhadores de um ramo inteiro da indústria. Atuando como cartéis, eles aumentam o valor do salário acima do nível do mercado. Isto afetou o mercado de trabalho e levou ao desemprego.

Apesar da crise econômica, os alemães não aceitam medidas como a terceirização, cortes de vagas e investimento com capital especulativo . Por que os alemães parecem tão céticos em relação ao capitalismo?

Porque o capitalismo traz desigualdades. A diferença entre ricos e pobres é muito grande. Há tensão social e a criminalidade aumenta. O modelo alemão de paz social se baseia na premissa de que precisamos do Estado para igualar a distribuição de renda. Precisamos desta política, mas o único problema é que o Estado deveria dar dinheiro sob a condição de que as pessoas estejam empregadas. É possível manter a idéia de um Estado social, mas precisamos de um modelo melhor.

Em um artigo recente o sr. afirmou que a Alemanha atravessa uma de suas piores crises em tempos de paz. O que precisa ser feito para superá-la?

Temos dois grandes grupos de desempregados. O dos trabalhadores sem muita qualificação e o da população idosa. Para resolver o problema dos desqualificados, precisamos aumentar os incentivos para que essas pessoas aceitem empregos de baixa remuneração. Para os mais velhos, é necessário um sistema que permita o pagamento de aposentadoria junto com um salário.