Título: Clima, tsunamis e furacões
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

Desastres naturais têm acompanhado a atividade humana desde o início da civilização. A Bíblia, ao descrever a história de Noé salvando homens e animais em sua arca, diante de uma grande inundação, e a lenda do desaparecimento da Atlântida têm provavelmente base em fatos reais. Erupções vulcânicas têm regularmente destruído vilas e cidades, como a grande erupção do Vesúvio há 20 séculos e a explosão do vulcão Krakatoa no começo do século 19. Terremotos sacodem regularmente a Califórnia e o Japão, que aprenderam a conviver ¿ dentro de certos limites ¿ com eles. É impossível, contudo, se proteger completamente de desastres naturais, como sabem muito bem as companhias de seguros: a indústria mundial de seguros tem sofrido perdas nos últimos 50 anos e só em 2004 perdeu cerca de U$ 115 bilhões. Os furacões sobre o Atlântico têm sido mais freqüentes do que no passado, nos últimos 11 anos. E neste ano se esperam ainda mais três furacões, que poderão ser tão destrutivos como o que devastou New Orleans. Grandes inundações se tornaram também mais freqüentes na China, na Alemanha, na Europa Oriental e até no Brasil.

Há, portanto, um enorme interesse em tentar descobrir se existe uma causa para esses eventos climáticos anômalos e, se ela existe, como eliminá-la.

As evidências até agora não são definitivas, mas o aquecimento global causado pelo ¿efeito estufa¿ parece ser a causa. O aquecimento global (da superfície, dos oceanos, do ar e do solo) é indiscutível e a temperatura média da Terra já subiu quase um grau centígrado nos últimos cem anos. O problema é saber se ele é realmente a causa das atividades climáticas ¿extremas¿ que estamos presenciando ou se elas se devem a variações naturais.

A grande maioria dos cientistas acredita na primeira opção e o objetivo da Convenção do Clima, aprovada na Conferência do Rio, em 1992, foi justamente o de tomar medidas que prevenissem o aquecimento global. Estas medidas são simples e a mais importante delas é reduzir as emissões de gases emitidos na queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). O Protocolo de Kyoto estabeleceu um cronograma para tal, mas o maior emissor mundial ¿ os Estados Unidos ¿ se recusou a assiná-lo, obviamente devido à pressão dos produtores de carvão e empresas de petróleo.

Este protocolo estabeleceu que os países industrializados teriam de reduzir suas emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa em 5,2%, relativamente ao nível de emissões de 1990, até 2012. Os países em desenvolvimento ficaram isentos destas reduções, considerando que suas economias precisam crescer e que limitações às emissões impediriam seu desenvolvimento, o que não é necessariamente verdade.

Não há incompatibilidade entre crescimento econômico e redução de emissões danosas ao meio ambiente desde que tecnologias modernas sejam incorporadas ao processo de desenvolvimento, evitando repetir os erros cometidos no passado, em que o crescimento era a meta a ser atingida a qualquer custo e a poluição, um problema a ser corrigido depois.

A receita que os Estados Unidos têm defendido para enfrentar o problema do aquecimento global é o de adaptar-se a ele, o que países ricos acreditavam que pudesse ser feito. De fato, se o aquecimento fosse lento e gradativo, com a temperatura subindo pouco a cada ano, bem como a conseqüente elevação do nível do mar, isso até poderia ser feito em muitos países, como ocorreu com a Holanda nos últimos cinco séculos.

O desastre de New Orleans destruiu essas idéias: o aquecimento global provoca grandes instabilidades climáticas e não é possível prever onde elas vão acontecer. Prevenir-se contra elas exigiria uma organização da ocupação do território do mundo muito diferente do que ela é hoje.

Por estas razões, as preocupações de um número crescente de países, regiões e até Estados importantes com o tema estão aumentando, para, com isso, superar a indiferença dos Estados Unidos e alguns de seus aliados, que lançaram recentemente uma estranha coalizão que, no fundo, estimula o uso do carvão.

Isso deu origem a uma grande rede de prefeituras de grandes cidades cujos representantes se reúnem regularmente para discutir o assunto; uma rede de governos regionais da qual São Paulo faz parte. Mais recentemente, São Paulo foi convidado a participar de outra rede formada por sete grandes Estados: Baviera (Alemanha), Califórnia (Estados Unidos), Quebec (Canadá), Cabo (África do Sul), Shandong (China) e Alta Áustria (Áustria). Além disso, o Estado de São Paulo e o da Califórnia estão discutindo um convênio de cooperação mútua destinado especificamente a problemas ambientais.

O que Estados podem fazer, mesmo que o governo do país a que pertencem não deseje fazer nada (que é o caso dos Estados Unidos)? A resposta é a seguinte: há inúmeras atividades que dependem de leis e regulamentos estaduais, como padrões de desempenho de veículos, normas de construção de edifícios, iluminação e outros.

A matriz energética estadual pode obrigar as empresas de energia a incluir no seu ¿portfólio¿ uma porcentagem mínima de energia renovável. Se um número suficiente de Estados importantes fizer isso, eles estariam colaborando para a redução das emissões globais e a oposição ou indiferença dos governos federais, como ocorre nos Estados Unidos, deixará de ter muita importância.