Título: Impasse na Alemanha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O chanceler federal Gehard Schroeder (social-democrata) e a candidata de oposição Angela Merkel (democrata-cristã)proclamam-se vencedores das eleições de domingo, na Alemanha. O resultado do pleito foi tão apertado ¿ três cadeiras de diferença no Parlamento, a favor da aliança formada pela União Democrata Cristã e pela União Social Cristã, liderada por Merkel ¿ que poderá ser alterado pelas eleições que serão realizadas em 2 de outubro em um distrito de Dresden, onde a morte de uma candidata forçou o adiamento do pleito. O resultado das urnas lançou a Alemanha num impasse inédito. Angela Merkel proclama-se vencedora e fala na formação de um governo de coalizão com os social-democratas do SPD, o partido de Schroeder. Este, por sua vez, entende que o eleitorado renovou o seu mandato, espera pelas eleições de Dresden e não admite a possibilidade da ¿grande coalizão¿ com os democratas-cristãos. Mas admite uma aliança com os Verdes e o Partido Liberal (FDP), os quais repelem a sondagem de Schroeder. Quando a campanha eleitoral que culminou com o pleito de domingo começou, era ampla a maioria dos alemães descontentes com o governo de Gehard Schroeder, ao qual atribuem a responsabilidade pelos altos índices de desemprego ¿ 11,6% ¿ e pela crise fiscal que forçou o corte de vários benefícios previdenciários.

A crise econômica e social, na verdade, ainda é conseqüência da unificação das Alemanhas. Feita a um custo altíssimo, a reunificação política deixou profundas cicatrizes sociais. O sistema de bem-estar social que protegia sobejamente a população da parte ocidental tornou-se insuficiente para manter o mesmo nível de bem-estar para a população da Alemanha reunificada e os sinais de pobreza da parcela menos favorecida tornaram-se visíveis. A candidata democrata-cristã Angela Merkel foi a beneficiária desse descontentamento, até que indicou Paul Kirchhof, um economista radical, para ocupar o Ministério das Finanças, se eleita, e anunciou que elevaria o imposto sobre valor agregado, para reduzir o déficit orçamentário, que viola os padrões fixados para a zona do euro. Desde então, passou a perder terreno nas pesquisas de opinião. Tendo chegado a obter uma margem de 20 pontos sobre Gehard Schroeder, teve de se resignar com uma vantagem de 0,9 ponto, uma vez contados os votos. Daí o Partido Social-Democrata de Schroeder ¿ que até cinco semanas antes das eleições tinha apenas 26% das preferências do eleitorado ¿ estar cantando vitória.

Na verdade, o eleitorado alemão demonstrou estar desiludido com os grandes partidos que dominam a cena política do país. A União Democrata Cristã ficou 3,3 pontos porcentuais abaixo da votação obtida nas eleições de 2002. O Partido Social-Democrata teve, na mesma comparação, menos 4,2 pontos porcentuais. A aliança CDU-CSU, que esperava obter pelo menos 41% dos votos ¿ e com isso obter, com seus aliados, maioria para governar tranqüilamente ¿, não passou dos 35,2%, muito próximos dos 34,3% conseguidos pelos social-democratas.

Em compensação, cresceram proporcionalmente, na preferência do eleitorado, os partidos pequenos, especialmente os Liberais (9,8%), os Verdes (8,1%) e o Partido de Esquerda, que agrega os comunistas (8,7%). O crescimento dos comunistas foi a grande surpresa do pleito. O Partido de Esquerda, formado recentemente por Oskar Lafontaine, dissidente do SPD, e pelo PDS, obteve 54 cadeiras no Parlamento, passando a ser uma força a ser considerada obrigatoriamente na formação de qualquer coalizão de governo. Superou, em número de deputados, os 51 eleitos pelo Partido Verde.

Tendo Gehard Schroeder afastado a possibilidade de formar a ¿grande coalizão¿ com os democratas cristãos, e os Partidos Verde e Liberal recusado, de início, a formação de alianças, será bastante difícil a constituição de um governo de maioria. Existem, no entanto, possibilidades matemáticas de que isso venha a ocorrer, seja favorecendo Angela Merkel, seja beneficiando Schroeder. Mas o mais provável nas atuais circunstâncias ¿ segundo os observadores ¿ é que, depois de algumas semanas de negociações, os dois grandes partidos não consigam constituir um governo de maioria. E, pela primeira vez na Alemanha do pós-guerra, novas eleições teriam de ser convocadas.