Título: EUA se preparam para o primeiro transplante de face
Autor: Dan Glaister
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Vida&, p. A20

Dentro de algumas semanas, médicos de uma clínica americana começarão a entrevistar pacientes que tenham capacidade de se submeter ao primeiro transplante de face do mundo, depois de terem recebido a aprovação do conselho interno de análise institucional da clínica. A equipe médica da Cleveland Clinic, em Ohio, é comandada pela médica Maria Siemionow, uma cirurgiã de 55 anos que passou anos conduzindo pesquisas sobre transplante de rosto, inclusive fazendo experimentos em animais e cadáveres humanos.

O procedimento tem por objetivo ajudar pacientes cujo rosto foi desfigurado por causa de um acidente ou falha genética. Muitos pacientes levam anos passando por dolorosas cirurgias reconstrutoras. É um processo que tem sido rotulado de "vida por 1 mil cortes".

Os defensores dos transplantes de rosto argumentam que o procedimento poderá eliminar a necessidade de anos de operações aplicando nova "folha" de pele em um única operação. Embora a capacidade de realizar transplantes de face exista há anos, ninguém até agora tentou. Equipes de cirurgiões da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos já anunciaram anteriormente que estavam perto de fazer transplantes de rosto, mas as preocupações relativas às implicações éticas do processo suspendeu ou adiou os planos deles.

Embora a equipe da Cleveland Clinic tenha conseguido a aprovação de um conselho de análise interno, críticos dizem que um conselho de análise independente deveria determinar se o procedimento deve ser levado adiante.

No ano passado, uma equipe da Universidade de Louisville, no Estado de Kentucky, nos Estados Unidos, que já realizou com sucesso um transplante de mão humana, decidiu não ir em frente com os transplantes de face depois de examinar as questões éticas. "O que está em jogo é a auto-imagem da pessoa, sua aceitação na sociedade e sua sensação de normalidade", escreveu Osborne Wiggins, professor de Filosofia e investigador clínico da universidade, no American Journal of Bioethics.

Na mesma revista, Carson Strong, um especialista em bioética da Universidade do Tennessee, disse que "o paciente ficaria com uma extensa lesão facial com conseqüências psicológicas e físicas potencialmente graves".

Mas a equipe de Maria Siemionow argumenta que os possíveis efeitos benéficos justificam o risco. "Quem tem o direito de decidir sobre a qualidade de vida do paciente?", perguntou ela. "É muito importante não assustar a sociedade. Faremos nosso melhor possível para ajudar o paciente."

A expectativa é de que a cirurgia dure até 24 horas. "Um "envelope de pele" de um doador é fixado em ambos os lados da face do receptor usando-se um ou dois pares de veias e artérias. Cerca de 20 terminais nervosos também seriam anexados.

O rosto do receptor deve ficar com aparência semelhante à que tinha antes da operação, alerta a Cleveland Clinic a possíveis pacientes. Isso porque a pele é enxertada sobre o ossos e músculos existentes, que determinam o formato do rosto. As expressões e as características faciais são determinadas pelo cérebro e não são produto do tecido facial, dizem os especialistas.

No entanto, há outros pesquisadores que sugerem que o resultado final será uma combinação dos aspectos da face do doador e do receptor. Os opositores da idéia, no entanto, estão preocupados, também, com o fato de, se o procedimento tiver êxito, possa vir a ser explorado pela cirurgia estética. Já, se o corpo do receptor rejeitar o transplante, isso levanta a possibilidade de que o paciente fique pior do que era antes.