Título: Célula-tronco humana faz roedor voltar a andar
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Vida&, p. A19

Em mais uma prova de seu potencial terapêutico, células-tronco humanas foram capazes de formar novos neurônios na medula espinhal de camundongos parcialmente paralisados. Seis semanas após o transplante, os animais recuperaram a capacidade de se locomover por meio de passos coordenados entre as patas da frente e de trás. Os resultados reforçam a esperança de que, no futuro, as células-tronco poderão ser usadas na recuperação de pessoas vítimas de paralisia. O estudo foi feito com camundongos que tiveram a medula espinhal intencionalmente lesionada para simular uma situação de paraplegia (paralisia dos membros inferiores, ou posteriores). Divididos em grupos, alguns receberam uma aplicação de células-tronco humanas adultas, provenientes do cérebro de fetos abortados de 16 semanas. Segundo os cientistas, as células não só migraram para o local da lesão, mas se diferenciaram em neurônios e oligodendrócitos - as células de mielina que protegem os neurônios, assim como uma capa de borracha protege fiações elétricas.

Com isso, a rede de comunicação entre o cérebro e as patas traseiras - que estava danificada - foi parcialmente restaurada, permitindo que os camundongos recuperassem suas habilidades motoras. "Não foi uma cura de 100%, mas eles recuperaram a capacidade de caminhar de maneira coordenada, o que não é trivial", disse ao Estado o pesquisador Brian Cummings, da Universidade da Califórnia em Irvine. Ele é o primeiro autor do estudo, publicado na revista PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

"É mais um trabalho a favor do grande potencial das células-tronco", disse o pesquisador brasileiro Tarcisio Barros, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que também trabalha com células-tronco para a recuperação de lesões medulares. Em seu projeto, 30 pacientes paralíticos receberam injeções de células-tronco retiradas do próprio sangue. Entre um e dois anos depois, 18 deles já demonstram recuperação de sensibilidade - nesse caso, uma medida da capacidade de transmissão de um pulso elétrico entre o cérebro e os membros inferiores.

Ainda não houve recuperação da motricidade, mas os resultados parciais já indicam que é possível restaurar parte da fiação elétrica neuronal destruída pela lesão. "Não é nada mágico", esclarece Barros. "Mas só o fato de restabelecer esse contato já abre uma série de perspectivas terapêuticas." A meta é acompanhar os pacientes por cinco anos.

No estudo com camundongos, as células-tronco fetais foram tiradas de tecido cerebral. O que significa que, apesar de indiferenciadas, elas já estavam biologicamente programadas para formar células neurais.

Ainda não é possível dizer com certeza, mas todas as evidências indicam que as células-tronco humanas se diferenciaram e até formaram sinapses com as células dos camundongos. Para demonstrar isso, os cientistas aplicaram uma toxina seletiva, que destruiu todas as células humanas sem danificar as dos camundongos. Resultado: os animais que haviam melhorado a motricidade regrediram para o estado original da lesão, como se não tivessem recebido tratamento.

"Isso mostra que as células-tronco tornaram-se funcionais, e não apenas estavam ajudando as células do camundongo a se regenerar", explica Cummings.