Título: 'Consenso'alemão pode ter ficado irrecuperável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Internacional, p. A16

O famoso sistema político consensual da Alemanha pode ter se fragmentado demais. Após o impasse das eleições de domingo, o maior país e economia da Europa deve entrar num período de profundas incertezas. Não há nenhuma garantia de que a vencedora (por margem mínima), Angela Merkel, criada sob o comunismo na RDA (Alemanha Oriental) vá se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de chanceler (equivalente a primeiro-ministro) nem que a carreira de Gerhard Schroeder tenha se encerrado. Mas há boas possibilidades de que o quase empate leve a uma grande coalizão dos dois maiores partidos - e à estagnação, em vez da reforma.

É extraordinário que o resultado tenha sido tão apertado depois de uma campanha que começou com uma vantagem de 23 pontos para a CDU (União Democrata-Cristã) de Merkel e terminou com o pior desempenho do partido em todos os tempos. A despeito de todas as comparações com Margaret Thatcher, Angie - com toda a trilha sonora dos Rolling Stones - não demonstrou nem o carisma da dama de ferro britânica nem o pendor para as políticas radicais necessárias para tirar a Alemanha da letargia em que vem definhando nos últimos sete anos.

Foi graças a suas notáveis habilidades políticas e midiáticas que Schroeder foi capaz de diminuir a diferença a um ponto que impede Merkel de formar um coalizão com os aliados tradicionais da CDU, a CSU (União Social Cristã) bávara e os Democratas Livres (FDP), liberais. Seja qual for a forma que venha a tomar, o próximo governo alemão enfrentará muitos desafios.

Com suas reformas do mercado de trabalho, sistema de pensão e assistência social, Schroeder admitiu a necessidade de liberalizar a economia alemã. Mas um teimoso legado de crescimento quase zero e desemprego de 11% - o mais alto desde os desastrosos anos 30 - é uma prova dolorosa de que ele não avançou tanto nem tão depressa quanto seria necessário. Isso significou um inchaço do déficit orçamentário que dinamitou as tentativas de manter a disciplina na zona do euro e golpeou a economia européia em geral, justamente quando ela precisava melhorar o desempenho para enfrentar a competição global.

No campo europeu, apesar da enorme mudança gerada pela expansão da União Européia muito calorosamente apoiada por ele - embora a capacidade dos trabalhadores poloneses e checos tenha sido posta em dúvida durante alguns anos -, Schroder apegou-se a uma parceria antiquada e muitas vezes destrutiva com Jacques Chirac, da França, que obstruiu por muito tempo a muito necessária reforma na Europa de 25 países. A oposição à entrada da Turquia na União Européia deve causar uma das primeiras crises na Alemanha seja lá quem for o próximo chanceler. Talvez o principal desafio do novo chefe de governo seja lidar com o sentimento de desesperança que domina os estados do leste do país. Depois de 15 anos de reunificação, o desemprego na região da extinta Alemanha comunista ainda é mais que o dobro do percentual registrado no lado ocidental.