Título: 'Sou preso político. Eu não mereço', desabafa Maluf
Autor: Fausto Macedo e Rodrigo Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2005, Nacional, p. A12

Paulo Maluf, há 10 dias prisioneiro federal por corrupção passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e remessas ilegais, disse ontem que "nunca esperava por essa injustiça irreparável", que se considera preso político, que está passando por uma provação que Deus lhe impôs e que espera ser recompensado "na outra vida", que tem "muito orgulho" do que fez - as obras do governador e do prefeito que foi -, bateu na censura telefônica da PF, que o flagrou em conversas suspeitas, e insistiu na versão de que foi vítima de tentativa de extorsão do doleiro Birigüi, seu acusador. Às 10h57, depois do café e do banho, Maluf chegou e disse o que pretende falar à Justiça amanhã, quando será interrogado pela primeira vez sobre a Chanani - a conta de US$ 161 milhões que Vivaldo Alves, o Birigüi, operou em Nova York. "Bom dia", ele saudou, ao seu estilo, estendendo a mão para os agentes de plantão, um a um. Camisa azul de mangas compridas, calça social escura, sapatos pretos bem lustrados, Maluf trazia nas mãos Liturgia das Horas, do padre Valeriano Santos Costa, que fala da "celebração da luz pascal sob o signo da luz do dia."

Duas vezes, durante a entrevista ao Estado, a voz do ex-governador travou - primeiro, quando contou que um de seus 13 netos, o de 7 anos, "partiu para a briga" com um coleguinha da escola que dirigiu insultos a seu avô aprisionado; e, depois, quando leu e releu uma cartinha escrita à mão pela neta de 10 anos, que se diz "uma menina sortuda" porque tem "o melhor avô do mundo".

Parece adaptado, à vontade mesmo, na rotina do cárcere, aos 74 anos. Não reclama mais da comida que lhe servem. "Eu vou assim, vou levando a vida aqui, esperando que se faça Justiça", depõe Maluf, que passou a maior parte do domingo à frente da TV, ele e mais 14 presos. "Vi o jogo do Real Madrid e, depois, o do Corinthians contra o Figueirense."

"As injustiças acontecem", ele diz. "Graças a Deus tive uma vida de grandes realizações, eu espero que elas tenham melhorado a vida de muitas pessoas, as casas que eu construí, as escolas que eu fiz, os hospitais, as auto-estradas, os aeroportos, as rodoviárias, o Metrô e as marginais. Mas tenho sofrido muito as agressões dos adversários políticos. Se você olha a história do Brasil, todos os homens que fizeram muito sofreram perseguições. Não sei se é da índole do povo latino."

O rosto bem barbeado, perfumado, ele não abre mão dos galanteios. Cheio de prosa, ao grudar os olhos em duas agentes federais na sala da PF onde falou ao Estado, não se conteve. "Com moças tão lindas assim eu quero prisão perpétua."

ACUSAÇÃO

"Nós somos as vítimas, eu e o meu filho (Flávio, também preso na PF). Eu sou preso político. Estou aqui porque quiseram abafar as maracutaias de Brasília. Nunca falei com esse doleiro. Criminoso é ele. A única coisa verdadeira que ele falou à polícia é que não me conhece. Não tentei intimidar testemunha. Ele não é testemunha, é réu confesso. Está rindo de todos, gozando a vida na noite, se embriagando, rindo de vocês. Veja o absurdo. Acho que é o único doleiro no Brasil que está solto. Não cometi crime, o processo nem começou. Como é que prende primeiro para depois verificar se você é culpado? Mais de 90% dos juristas disseram que minha prisão é absurda."

CARREIRA POLÍTICA

"Não estou pensando nisso. Vou refletir se continuo ou não na vida pública. Penso na minha família. Quem devia estar aqui era o doleiro. É uma bruta injustiça que será reparada pelos tribunais. Eu não tive o direito de me defender. Me deram prisão, enquanto o criminoso está lá fora, rindo da Justiça e da sociedade. Não tem gravação minha com ele. É um sofrimento que não mereço, um arbítrio. Estão prostituindo o Estado de direito, transformando o Brasil num Estado fascista, nazista."

A ROTINA NA PRISÃO

"A gente acorda oito, oito e pouco, toma café da manhã. Uma ou outra vez um amigo me manda um jornal. Almoço com eles (os outros presos), a gente vê televisão a partir das 18 horas, até as 22. Domingo pode ficar mais tempo. Estou lendo a Bíblia. Essa injustiça é uma provação que Deus me dá nesse mundo terreno para dar um lugar melhor no outro mundo. Eu tenho a solidariedade de 99% (dos presos), eles dizem: 'Dr. Paulo, quem tinha que estar na cadeia era algumas centenas de outros que estão em Brasília, jamais o senhor que fez tanto bem por esta cidade e pelo Estado'".

GRAMPOS

"A PF não pegou nenhuma ligação minha para o doleiro. Não ocultei prova alguma. Ele quis nos extorquir e nos procurou. Peticionamos à juíza (Silvia Rocha). O doleiro sabia que estava sendo gravado e, como não conseguiu nos extorquir, foi em busca da delação premiada. Ele foi comprado do lado de lá, foi subornado pela PF, entre aspas, fica com a delação premiada que eu te livro dessa. Na delação você pode mentir à vontade. Ele operou para 40, mas pegaram o Paulo Maluf, que não operou com ele."

JUSTIÇA

"A Chanani é do doleiro. Não existe essa coisa de beneficiário de conta. Você depositaria 161 reais na conta de alguém que não conhece? As conversas de qualquer cliente com seu advogado estão amparadas na Constituição. Já que o Ministério Público Federal tem o cacoete de gostar de investigar, que investigue quem é o criminoso, o Maluf não é. Eu confio na Justiça. Todas as acusações são falsas, se eu tenho alguma culpa no cartório eu quero responder na Justiça. Como todo brasileiro pobre ou rico, poderoso, jovem ou velho, eu quero ter o direito de ter um advogado e responder na Justiça. Cooperei com as autoridades, não fugi. Eu me apresentei antes mesmo que o mandado de prisão chegasse à PF. Existe um movimento orquestrado para me prejudicar e para encobrir todas as maracutaias de Brasília. As operações Daslu, Schincariol e Maluf tiveram esse objetivo. O presidente Lula disse na TV que não se pode acusar ninguém sem provas, todo mundo tem direito à defesa. Minha prisão é política. Não sei por que estou preso."