Título: Confiança no Brasil
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O êxito da operação de emissão de títulos de dívida externa do governo brasileiro atrelados ao real surpreendeu porque, até agora, governos de países emergentes que tiveram dificuldades para honrar seus compromissos internacionais não conseguiam emitir papéis de dívida em sua própria moeda. No caso brasileiro, apenas um grupo restrito de empresas privadas muito bem classificadas pelos avalistas de risco de crédito havia conseguido emitir títulos em reais no mercado internacional. Mas não é apenas o ineditismo da operação que justifica a avaliação da emissão de títulos de dívida externa do Tesouro Nacional em reais como uma grande demonstração de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira.

Não se pode calcular as dimensões de algo intangível como a confiança dos investidores, mas alguns números explicam por que foi considerado surpreendente o interesse pelos papéis do Tesouro. Esperava-se que, no máximo, o Brasil emitisse o equivalente a US$ 750 milhões, mas a operação resultou na emissão de US$ 1,5 bilhão, o dobro do previsto. E mais títulos o governo poderia ter colocado no mercado, visto que, segundo cálculos de instituições privadas, a demanda superou US$ 4 bilhões. Alguns operadores do mercado calculam em até US$ 7 bilhões a demanda total.

O interesse foi generalizado. De acordo com os responsáveis pela operação, a colocação dos papéis foi pulverizada. Não houve predominância de um determinado tipo de investidor. Entre os que adquiriram os títulos do Tesouro Nacional estão fundos de atuação mais agressiva no mercado, fundos voltados para os mercados dos países emergentes, bancos e fundos constituídos por gestores de grandes fortunas pessoais.

O interesse é tão mais surpreendente considerando-se o prazo de vencimento dos papéis colocados no mercado. Eles vencerão em 2016; dos papéis negociados no mercado interno, o mais longo vencerá em 2012. O custo, de 12,75% ao ano, é inferior ao do papel de prazo mais longo negociado no País, ao custo de 15,2% no leilão realizado na semana passada.

O ambiente internacional, marcado por grande liquidez, sem dúvida contribuiu para o êxito da operação brasileira. Mas não se pode deixar de reconhecer que o Tesouro tem demonstrado grande senso de oportunidade, para lançar seus papéis num momento em que é forte a disponibilidade de recursos no mercado financeiro. Vem fazendo isso há algum tempo, de modo que, já em junho último, havia captado todos os recursos que pretendia captar em 2005. No caso dessa emissão em reais, mostrou também certa coragem, por realizar uma operação inédita num ambiente historicamente desfavorável.

O economista Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard, chegou a cunhar a expressão "pecado original" para descrever a incapacidade dos países emergentes em emitir títulos em moeda nacional, o que os tornava mais vulneráveis a crises cambiais. A captação feita pelo governo brasileiro pode representar uma mudança importante na avaliação dos investidores sobre os mercados emergentes.

Para o governo, são claras as vantagens. Com os novos papéis, obtém o alongamento do prazo de vencimento de sua dívida. Melhor ainda, com os títulos atrelados ao real, reduz sua exposição ao risco cambial. Mesmo que haja uma disparada do dólar no futuro, o valor do título não mudará em moeda nacional. O risco cambial foi transferido para o investidor, que o aceitou apostando na queda dos juros internos. Se isso ocorrer, dentro de algum tempo, a remuneração oferecida, superior à de títulos do Tesouro atrelados ao dólar (no dia 6 de setembro esses títulos foram negociados com juros de 8,52% ao ano), será maior do que dos papéis indexados à taxa Selic.

Com o governo conseguindo negociar no exterior em melhores condições, a tendência é que o custo de suas emissões diminua também no mercado interno. Além disso, o êxito da operação do Tesouro pode abrir caminho para captações mais volumosas pelo setor privado, embora essa possibilidade se ofereça apenas para as empresas consideradas de primeira linha, com baixa taxa de risco. Entre elas estão os maiores bancos do País, que poderão ampliar suas captações em reais no exterior, para oferecer operações mais vantajosas a seus clientes no mercado interno.