Título: País entra em campanha pela descentralização da internet
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2005, Economia & Negócios, p. B7

Mais de 20 anos depois de criada, a internet é alvo de disputa no encontro das Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, promovido para negociar um acordo relativo à sociedade da informação. Sem citar diretamente os Estados Unidos, representantes do Brasil acusaram ontem "um só país de estar tomando as decisões pelos demais" em relação à rede mundial de computadores. Até a obra de George Orwell, 1984, foi citada para reforçar a idéia de controle da sociedade. Os americanos, porém, acham que não há necessidade de maior descentralização na gestão da internet. O encontro da ONU é a última fase de negociações entre os 191 países, que terão de concluir um entendimento para a assinatura do acordo final em novembro, na Cúpula da Tunísia. O controle da internet é um dos principais temas da reunião.

O Brasil, em seu primeiro discurso, pediu a criação de um fórum global para administrar a rede com a participação dos governos. Segundo o embaixador Antonino Porto - a delegação brasileira é composta por representantes do Itamaraty e de vários ministérios -, há uma "falta de legitimidade" na forma pela qual a internet é governada. "Estamos tentando montar um processo de tomada de decisão democrático, transparente e multilateral no nosso mundo digital", afirmou Porto. "As atuais políticas de governança da internet são insustentáveis."

Os americanos, contrários a toda proposta de ampliação do controle, alegam que a internet já é descentralizada e que existem 9 mil provedores da rede espalhados pelo mundo. Washington também aponta a existência de 13 servidores raízes - dos quais 10 estão nos Estados Unidos, segundo os representantes brasileiros. Os demais estão na Inglaterra, Suécia e Japão. Os brasileiros chamam atenção, ainda , para o fato de o servidor instalado no Estado de Maryland armazenar todas as informações dos demais. Além disso, todo o sistema de registro de endereços está baseado na Califórnia, onde está instalada a sede da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), empresa responsável pela administração da internet.

Para tentar solucionar o impasse, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, criou um grupo de especialistas para sugerir formas de gerenciamento da internet. Para o grupo, uma mudança deve ocorrer e o Brasil adota o documento como base para as negociações. Os Estados Unidos, porém, não reconhecem o documento. O embaixador da China, Sha Zukang, acha que o grupo de especialistas tem "autoridade e representatividade acima de qualquer dúvida" e suas propostas devem ser a base da discussão.

CONTRADIÇÕES

Mas no melhor estilo da ONU, as negociações são marcadas pelas contradições. A reunião fina para fechar um acordo sobre o futuro da sociedade da informação, com temas como liberdade de expressão e acesso à informação, ocorrerá na Tunísia, país acusado por inúmeras organizações não-governamentais de violar direitos humanos e a liberdade de expressão.

A China critica a situação relativa ao controle da internet de "não democrática", palavra que soa estranha vindo de Pequim. Não por acaso, a delegação americana insiste em questões como liberdade de expressão para desautorizar os chineses, acusados recentemente de controle de conteúdo da internet. Pequim não deixa ainda de citar a necessidade de que a internet seja gerenciada por políticas públicas e não teme usar a palavra "soberania" entre os fatores que precisam ser considerados na internet. Ao setor privado caberia apenas questões como inovação tecnológica e desenvolvimento de mercado.