Título: Em silêncio, o melancólico adeus do rei do baixo clero
Autor: João Domingos e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2005, Nacional, p. A4

Foi um fim melancólico. O rei do baixo clero, Severino Cavalcanti (PP-PE), se despediu da presidência da Câmara da pior maneira possível. Antes de deixar o plenário, teve de ouvir de estudantes que acompanhavam a sessão de sua renúncia das galerias que já ia tarde. Saiu quase escondido, pela porta dos fundos do Congresso. Severino passou pouco tempo na Casa que presidiu por sete meses - exatos 219 dias, de fevereiro até ontem. Acompanhado da mulher, Amélia, e das filhas Ana e Catarina, chegou à Câmara pouco antes das 4 da tarde e foi direto para o plenário. Quatro companheiros de partido o receberam: Francisco Dornelles (PP-RJ), Simão Sessim (PP-RJ), Reginaldo Germano (PP-BA)e o corregedor da Câmara Ciro Nogueira (PP-PI), seu afilhado político. Ouviu algumas palmas, poucas. Uma hora e 10 minutos depois, tendo já renunciado ao mandato, saiu em direção ao apartamento funcional onde morava antes de ser eleito presidente.

Seu último dia como presidente começou antes das 9 da manhã, com a romaria de deputados. O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi um dos primeiros a visitá-lo. Lá estiveram ainda o vice-presidente da Casa, José Thomaz Nonô (PFL-AL) - a partir de ontem, presidente interino -, Sandro Mabel (PL-GO), o primeiro-secretário da Mesa, Inocêncio Oliveira (PL-PE), e um punhado de deputados do chamado baixo clero.

Nas últimas horas na residência oficial Severino recebeu vários telefonemas, especialmente de sua cidade natal, João Alfredo. Sentiu falta, no entanto, de um. O presidente Lula, de quem se considerava amigo, não telefonou.

Almoçou dobradinha. À tarde, ensaiou o discurso e brincou com os filhos. Ao ler o texto uma última vez, na parte em que diria "Resistirei", perguntou: "Mas como eu digo resistirei se vou renunciar?" A filha Catarina e dona Amélia responderam: "Está louco, nem pensar em mudar de idéia agora".

A aparente tranqüilidade acabou ao chegar à Câmara. Presidiu a sessão pela última vez, por pouco mais de 20 minutos. Concedeu a palavra a meia dúzia de deputados antes de seu discurso de despedida. Abatido, emocionou-se algumas vezes durante o discurso. Falou 22 minutos para 330 ouvintes no plenário. Engasgou ao falar do "menino pobre de João Alfredo" e de dona Amélia, que chamou de "farol da minha vida".

Severino fica alguns dias em Brasília, onde ele e a mulher serão submetidos a uma operação de catarata. Para "voltar a enxergar longe", diz ele. Depois, retorna à sua João Alfredo, de onde promete voltar na próxima eleição com o dobro de votos.