Título: Severino renuncia, mas garante que volta: 'O povo me absolverá'
Autor: João Domingos e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2005, Nacional, p. A4

Para escapar da cassação, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou ontem ao mandato de deputado, sete meses depois de ter assumido o comando da Casa. No discurso de despedida, previu que será eleito novamente em 2006: "Voltarei. O povo me absolverá. O povo pernambucano mais uma vez não me faltará." Severino culpou a elite parlamentar por sua derrocada: "A elitezinha, essa que não quer jamais largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra." Disse ainda que a mídia participou de sua derrubada. O discurso de Severino durou 33 minutos. Foi assistido por 321 deputados, que permaneceram o tempo todo em silêncio. Assim que terminou de comunicar sua decisão, e quando parlamentares amigos se preparavam para aplaudi-lo, começou uma confusão nas galerias, onde um grupo de estudantes e professores protestava aos gritos. Severino foi embora do plenário como entrou: inquieto, aparentemente assustado, mexendo ora o ombro esquerdo, ora o direito, num terno novo que parecia apertado.

Com a renúncia de Severino, o vice-presidente José Thomaz Nonô (PFL-AL) ocupará a presidência da Câmara interinamente. Os líderes de partidos vão se reunir hoje para decidir a forma como se dará a eleição do novo presidente da Casa.

Severino renunciou ao mandato depois de perder, há uma semana, as condições políticas para continuar à frente da Câmara. Ele é acusado de ter cobrado propina do empresário Sebastião Buani para renovar o contrato de concessão de restaurantes. O empresário apresentou a prova da corrupção - um cheque de R$ 7,5 mil, descontado por Gabriela Kenia, secretária de Severino.

Apesar disso, Severino disse no discurso que perdeu dinheiro com a política: "Executem a devassa. Revolvam minha vida. Exponham minha memória. Consultem minhas contas. Façam e refaçam os cálculos. E chegarão à mesma conclusão inevitável: Severino Cavalcanti empobreceu com a política. Esse sim, o verdadeiro empobrecimento ilícito! Sou hoje a imagem de muitos companheiros que aqui chegaram sem posses, pela vontade do povo, e daqui vão sair ainda mais pobres, ainda mais devedores." Ele reafirmou inocência: "As acusações contra mim são inconsistentes. Na verdade, são falsas e mentirosas e vou comprovar isso nos tribunais." Ele disse que vai resistir: "Resistirei. Jamais fui acusado de nada. Nenhuma denúncia. Não vou, portanto, agora, curvar-me à pressão dos poderosos. Não vou me render às necessidades da mídia, que me tem ultrajado com manchetes mentirosas, que me têm alvejado com textos caluniosos."

OBJETIVOS NEFASTOS

O agora ex-deputado disse que sempre defendeu a liberdade de imprensa, mas acha que no Brasil ela tem servido a objetivos nefastos. "Estou convencido de que nenhum sistema político aberto e democrático pode viver sem ela. Mas em nosso país liberdade de imprensa tem sido a porta aberta para suspeitas sem comprovação, para acusações sem provas, para a destruição de reputações." E proclamou, em tom de ameaça: "Liberdade de imprensa, sim, mas o rigor da lei para os que enxovalham sem qualquer limite a honra e a dignidade alheias."

Severino iniciou seu discurso com a citação mais repetida de Os Sertões, de Euclides da Cunha: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte." Declarou-se sertanejo e forte. Afirmou que não conseguiu ir além do primeiro grau, pois teve de logo arrumar um emprego. "Devia contribuir, sobretudo, para a educação das quatro irmãs, que assim puderam se formar."

Católico, na certeza de que vai voltar, Severino citou o profeta Jó: "O júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas um momento."

Mesmo assim, disse que será candidato no ano que vem e que voltará, porque confia no voto do povo de Pernambuco e, em especial, no de sua cidade natal, João Alfredo.

Lembrou que foi prefeito desta cidade de 27 mil habitantes e deputado estadual por sete mandatos (entre 1967 e 1994, foi eleito quatro vezes pela Arena, durante o regime militar, e depois pelo PFL, PDC e PL). Em seguida, federal por três. Disse que, com ele na presidência, a Câmara instalou a democracia interna - "acabei com a panelinha dos que viajavam até oito vezes para o exterior" - e a independência em relação ao Poder Executivo.

DIÁLOGO: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma declaração oficial sobre a renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE) ao mandato de deputado e à Presidência da Câmara. Segundo informação divulgada pela Assessoria de Imprensa do Palácio do Planalto, Lula disse: "Foi uma decisão de foro íntimo que deve ser respeitada. Estou seguro de que a Câmara dos Deputados saberá escolher um novo presidente da Casa comprometido com o fortalecimento da instituição e da democracia brasileira. Quem quer que seja o eleito, o governo continuará a manter um diálogo fluido e construtivo com o Poder Legislativo."No momento do pronunciamento em que Severino Cavalcanti anunciou sua renúncia, Lula estava no Planalto com alguns ministros, entre eles o da Fazenda, Antonio Palocci.