Título: Ex-autoridade, Severino perde foro privilegiado
Autor: Mariângela GallucciJoão Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2005, Nacional, p. A6

Além de ter perdido o mandato parlamentar, Severino Cavalcanti teve outro prejuízo considerável. Ao renunciar, ele perdeu o foro privilegiado, ou seja, o direito de ser investigado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como qualquer cidadão comum, terá de se defender na Justiça Federal de primeira instância da acusação de ter recebido propina do empresário Sebastião Buani. O ex-deputado será enquadrado pelo crime de corrupção passiva ou concussão - extorsão praticada por funcionário público. A defesa, porém, ainda guarda um trunfo - pode alegar que o caso tem de permanecer no Supremo, porque nas investigações aparece uma referência a outro deputado, Gonzaga Patriota (PSB-PE), que tem direito ao foro privilegiado.

Na manhã de ontem, horas antes da renúncia, a situação judicial do ex-parlamentar havia se complicado ainda mais. Veio a público a prova que a Procuradoria-Geral da República dizia ter contra Severino: em 30 de julho de 2002, a secretária Gabriela Kênia sacou cheque de R$ 7,5 mil de Buani - concessionário de restaurantes da Câmara, que denunciou o mensalinho -, e transferiu R$ 6,8 mil para uma conta do deputado.

No verso do cheque, havia uma anotação com o número "690,20" - sugerindo que Kênia pode ter ficado com a diferença dos dois valores.

Ainda pela manhã, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu a Gilmar Mendes, ministro do Supremo, a abertura de inquérito sobre o mensalinho e a quebra do sigilo bancário e telefônico de Severino e Buani. Com a renúncia, o caso deverá ser transferido para a primeira instância, seguindo decisão recente do STF, que derrubou o foro privilegiado para ex-autoridades.

DEFESA

A defesa de Severino poderá argumentar que Gonzaga Patriota foi mencionado nas investigações. As referências ao parlamentar foram confirmadas pela Procuradoria-Geral - ele teria redigido texto assinado por Severino prometendo a prorrogação do contrato com Buani para o Restaurante Fiorella.

O advogado de Severino, José Eduardo Alckmin, disse que ainda não sabe se vai pedir para manter o caso no STF. Mas ressaltou que é necessário apurar tudo, inclusive as referências a Patriota. "Tenho certeza de que a verdade vai acabar aparecendo. Não houve jamais pedido ao Buani", assegurou.

'VÍTIMA': Antes de iniciar o discurso no qual comunicou que renunciava ao mandato e à presidência da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) disse que o deputado Nilton Baiano (PP-ES) foi vítima de uma injustiça. "O deputado Nilton Baiano é um dos deputados mais sérios e corretos que conheço", afirmou Severino. "Estou solidário com o companheiro Nilton Baiano, e sei que todo o Brasil está solidário", emendou.

A solidariedade não empolgou o plenário, que se manteve em silêncio. Nada de aplausos.

Baiano é citado numa conversa entre o ex-prefeito Paulo Maluf e o presidente do PP, Pedro Corrêa (PE), flagrada num grampo da Polícia Federal. Na conversa, Corrêa se queixa a Maluf de que vem sofrendo carga por parte do PP gaúcho. Maluf diz a ele para falar com Nilton Baiano - que estaria do lado dos gaúchos - e dar-lhe um recado seu, "de que é um ingrato". "Recebeu US$ 200 mil em 1996 para ser candidato a prefeito. Não foi candidato e ficou com o dinheiro", diz Maluf a Pedro Corrêa.