Título: Dantas nega ter financiado mensalão e diz que governo pressiona fundos
Autor: Irany Tereza, Luciana Nunes Leal e Eugênia Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2005, Nacional, p. A8

O banqueiro Daniel Dantas acusou ontem o governo Lula de interferir em decisões comerciais de fundos de pensão de estatais, sustentou não ter participado do financiamento do mensalão e sugeriu que os parlamentares procurassem a origem do dinheiro em empresas que, segundo ele, teriam sido beneficiadas pelo Planalto. Em depoimento à sessão conjunta das CPIs dos Correios e do Mensalão, ele citou explicitamente as companhias de telefonia Telemar e Telecom Italia. "Não éramos nós a fonte de recursos que alimentava o mensalão. Não pagamos ao senhor Marcos Valério. Seria mais natural (o pagamento) dos que foram beneficiados. Faria mais sentido abrir a outra gaveta, não essa", afirmou o proprietário do grupo Opportunity. Ele está sendo destituído judicialmente do controle de seis empresas que movimentam mais de R$ 15 bilhões e têm como principais acionistas os fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa Econômica Federal), além do Citigroup.

Dantas relatou em detalhes os encontros que teve com o então ministro da Casa Civil José Dirceu, segundo ele por iniciativa do próprio ministro, a partir de maio de 2003, e do ultimato que teria recebido do presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para que o Opportunity se retirasse da gestão da operadora de telefonia fixa Brasil Telecom.

"Tenho uma séria desconfiança de que o Citi e os fundos tinham como objetivo transferir o controle da empresa à Telemar, numa articulação empresarial e política", acusou. Mas afirmou, também, que a ingerência do governo nos fundos de pensão ocorre desde a gestão Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, essa interferência obrigou a Brasil Telecom a pagar um sobrepreço de R$ 250 milhões na aquisição na Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), em 2000.

Apesar das revelações feitas pelo banqueiro, o depoimento frustrou os deputados e senadores no principal objetivo da comissão: descobrir de onde vinha o dinheiro que abastecia as contas do publicitário Marcos Valério de Souza Fernandes usadas no pagamento de remunerações mensais a parlamentares para garantir o voto favorável ao governo. Dantas disse desconhecer Marcos Valério, a quem disse só ter visto uma vez, "em situação absolutamente circunstancial". Não convenceu, mas repetiu a tese inúmeras vezes. Também declarou que os cerca de R$ 140 milhões repassados pela Telemig (empresa de telefonia celular também controlada pelo grupo) às agências de Valério de 2000 a 2005 foram destinados ao pagamento de campanhas publicitárias.

PRESSÃO

O banqueiro fez questão de bater na tecla da CRT como exemplo de como o governo interfere nas decisões dos negócios dos fundos de pensão. Segundo ele, o confronto da Previ com o Opportunity começou em 2000, justamente depois dessa operação.

"Os fundos pressionaram fortemente para a aquisição da CRT pela Telecom Italia. Passamos a ser pressionados pelo Ministério das Comunicações. Mas a pressão era basicamente da Previ, do Tarquínio (Sardinha Ferro, então presidente), do Sérgio Rosa (então diretor). O (Henrique) Pizzolatto mandou um relatório dizendo que foi feita aquisição com preço de R$ 800 milhões por pressão do Banco do Brasil.

"Achávamos que podíamos comprar a empresa por um preço entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões. Até encaminhei esse relatório ao Dirceu num dos nossos encontros (três anos depois)", relatou Dantas.

Ele não foi claro quanto à participação do ex-ministro José Dirceu nos assuntos comerciais das empresas controladas pelo Opportunity. Ao mesmo tempo em que diz ter sido chamado para, "de forma polida e educada", ser encaminhado a uma conversa com Cassio Casseb, do BB, diz depois que o ex-ministro lhe teria dado razão na disputa, mas nada fez quando os fundos conseguiram destituir o Opportunity dos negócios, naquele mesmo ano.

Dantas disse que tentou algumas vezes comprar as participações dos fundos na Brasil Telecom, "pagando o preço justo", mas, segundo argumentou, a questão não era apenas negocial. "Fomos pressionados pelo presidente do Banco do Brasil Cassio Casseb, dizendo que falava em nome do governo. A partir daí, houve algumas hostilidades", disse. Revelou, inclusive, que os fundos chegaram a indicar o nome de Andrea Calabi (ex-presidente do BNDES) para presidir a BrT. "Só não conseguiram porque erraram o endereço da empresa no dia da reunião do conselho."

O banqueiro afastou a possibilidade de participação do presidente Lula na operação para privilegiar a Telemar, que denunciou. Lembrou que, para a Telemar comprar a BrT, teria de haver uma adaptação da lei que regulamenta a concessão telefônica. "Quando o presidente soube que teria de mudar lei, ficou aborrecido e mandou o ministro das Comunicações dizer que a lei não seria mudada", disse.

BARRIGA VAZIA: O banqueiro Daniel Dantas sentiu-se mal bem no fim de seu depoimento. Às 21 horas, teve uma queda de pressão e a sessão foi suspensa para que ele fosse atendido por um médico do Senado. Dantas comeu parte de um sanduíche, uma maçã e tomou café. Durante dez minutos, descansou em uma pequena copa ao lado da sala. Em seguida, voltou ao depoimento, que já durava mais de dez horas. Durante todo esse tempo, o banqueiro não tinha se alimentado. Após o mal-estar, Dantas ainda passou uma hora no depoimento. Às 22h10, porém, quando o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), último a falar, disse que ainda tinha algumas perguntas a fazer, o banqueiro pediu que a sessão fosse encerrada.