Título: Banco Mundial volta a priorizar infra-estrutura
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/09/2005, Economia & Negócios, p. B6

Os investimentos em infra-estrutura, que já foram a especialidade do Banco Mundial (Bird), mas definharam nos anos 90, voltarão a ter um espaço importante nos programas de empréstimos da instituição para o Brasil e outros países em desenvolvimento, afirmou ontem o presidente da instituição, Paul Wolfowitz, numa das primeiras entrevistas que concedeu desde que assumiu o cargo, em junho. A reversão de curso é o resultado da insistência do governo brasileiro e de outros clientes do Bird, informou Wolfowitz numa conversa ontem com correspondentes do Estado, do New York Times, do Wall Street Journal, do Guardian, de Londres, e do Il Sole, de Milão.

Citando um tema de óbvio interesse para o Brasil, mas sem se referir diretamente ao País, Wolfowitz disse que o Bird continuará a enfatizar o combate à corrupção nas relações com os países membros, que seu antecessor, James Wolfensohn, incorporou às políticas do banco.

Ele citou como exemplos positivos decisões recentes dos governo da Nigéria e da África do Sul de demitir e processar importantes funcionários implicados em atos ilícitos com dinheiro público.

¿Precisamos construir a partir de exemplos como este, para mostrar que não é fácil para corruptos esconder dinheiro roubado dos países em desenvolvimento.¿

O presidente do Bird disse que suas conversas com representantes do Brasil e de outros países em desenvolvimento o convenceram de que ¿o banco foi longe demais em sua saída de projetos de infra-estrutura e esperou demasiado da capacidade¿do setor privado em investir no setor.

¿Creio que há uma aceitação geral de que se, por um lado, o setor privado permanece como o grande motor do crescimento para que um país tenha êxito, o setor privado depende de muitos bens públicos para ser eficaz.¿ Wolfowitz acrescentou que ¿as parcerias público-privadas têm algum potencial, mas deixar tudo para o setor privado não funciona¿.

Ele disse também que ¿o banco aprendeu com os erros passados¿ e tomará o cuidado agora de incorporar nos futuros investimentos em infra-estrutura ¿as lições que aprendeu sobre as intervenções que são benéficas ao meio ambiente e as que são prejudiciais¿.

Segundo Wolfowitz, há casos em que é difícil conciliar o conflito entre desenvolvimento e preservação ambiental. ¿Mas, em larga medida, cuidar do meio ambiente é uma forma de preservar a riqueza fundamental dos países em desenvolvimento.¿

A nova ênfase do Bird nos projetos de infra-estrutura é vista como parte central da estratégia da instituição para cumprir seu principal objetivo, a redução da pobreza. Como ela ocorrerá na prática, dependerá da articulação das prioridades que Wolfowitz estabeleceu, segundo ele, após um período de consultas com os 24 diretores-executivos que representam os 184 países membros do banco.

A primeira é combate à pobreza na África, que foi o destino de sua primeira viagem como presidente do Bird, em julho. ¿Não concordo que a África seja um continente sem esperança.

Mas a realidade é que, apesar dos progressos feitos nos últimos anos na redução da pobreza em várias partes do mundo, a África foi deixada para trás: o número de pobres dobrou e hoje há mais de 600 milhões de pessoas ao sul do Saara que subsistem com uma renda de menos de US$ 1 por dia, que é um nível de pobreza externa.¿

Wolfowitz informou que o Banco Mundial prepara um plano de ação com o objetivo de encontrar a fórmula mais eficaz para combinar os efeitos positivos do perdão total da dívida desses países como o Bird que o G-8 decidiu já decidiu com os novos aportes de ajuda.

Reconhecendo que enfrenta um importante teste de liderança em sua primeira reunião anual do Bird/FMI, Wolfowitz insistiu na importância de os países ricos não usarem o fato de estarem perdoando dívida passada das nações africanas para reduzir sua ajuda financeira futura ao desenvolvimento.

Ele afirmou que os custos de reconstrução impostos pelo furacão Katrina e os que podem resultar do furacão Rita não devem servir de desculpas para os Estados Unidos reduzirem contribuições. ¿A contribuição americana para o combate à pobreza na África é uma parcela tão pequena do orçamento federal que é possível financiá-la independentemente de qualquer outro fator.

Os americanos precisam compreender que os EUA não gastam 10% do orçamento em ajuda externa, gastam menos de 1%.¿ Em qualquer caso, o perdão da dívida dos africanos ao Banco Mundial é um tema controvertido e causa reações entre países de renda média, como o Brasil, que são doadores de fundos para créditos com juros subsidiados, não participaram da decisão de cancelar esses empréstimos mas terão de arcar com parte dos custos.

A composição dos interesses dos países mais pobres com os de renda médio , como o Brasil, que permanecem como importantes clientes do Bird, é, por sinal, um dos temas complexos com os quais Wolfowitz lidará na execução de sua estratégia.

¿As relações dos países de renda média com o banco e com os países doadores (G-8) são importantes porque estão mudando¿, afirmou Wolfowitz. ¿Elas estão amadurecendo. Como esses países precisam menos de nós, estão ficando mais impaciente com nossos procedimentos burocráticos, que são demorados, em questões como por exemplo o meio ambiente.

Eles continuam a ter interesse em fazer negócios conosco porque apreciam o capital de conhecimento que o banco tem numa série de temas, como infra-estrutura e também porque há diferenças entre lidar conosco e lidar com bancos comerciais: as salvaguardas que usamos em nossos projetos são boas tanto para o desenvolvimento como para as relações desses países com a comunidade global.¿

O presidente do Bird concluiu: ¿Minha esperança é que, dentro de 10 a 20 anos, todos os países pobres de hoje serão de renda média e as relação do banco com a África será mais madura, mais parecida com a que temos com o Brasil¿.