Título: Projeto sobre aborto deve chegar amanhã à Câmara
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Vida&, p. A15

Ativistas vão levar o texto mesmo sem a presença da ministra Nilcéa Freire, para que ele não fique "esquecido no fundo de uma gaveta", em meio à crise política

Descontentes com a indefinição do governo, integrantes do grupo que discutiu a revisão da lei do aborto se preparam para entregar amanhã na Câmara dos Deputados a proposta para a descriminação da interrupção da gravidez. Até agora não há confirmação de que a ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire, acompanhará o grupo. E nem mesmo que todos os integrantes comparecerão. "Se esperarmos, daqui a algum tempo, o projeto vai ficar esquecido, no fundo de uma gaveta", afirma Gilberta Santos Soares, da Jornada pelo Direito ao Aborto Seguro, que reúne cerca de 40 organizações não-governamentais (ONGs). Esse desfecho não se assemelha nem de longe à cerimônia de entrega do texto, inicialmente prevista para dia 1.º de setembro - e que, sem motivos claros, foi desmarcada às vésperas. Estava prevista a participação da ministra e da maioria dos integrantes do grupo interdisciplinar. A cerimônia foi cancelada, informalmente remarcada para esta quarta, mas nunca confirmada.

Integrantes do grupo creditam a indefinição da secretaria às pressões feitas pela Igreja para que o projeto não seja levado adiante. Há menos de dois meses, na reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tal pressão ficou clara, em troca de correspondências entre a instituição e o presidente Luis Inácio Lula da Silva, avaliam grupos feministas. "A ministra lutou muito para que a proposta fosse concluída, mas ela integra um governo que não quer perder, neste momento de crise, um grande aliado, que é a Igreja", diz Dulce Xavier, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.

Gilberta nega que exista um racha entre o grupo feminista e a secretaria ou que este seja um desfecho melancólico para o trabalho. O grupo multidisciplinar foi criado em abril e reuniu-se 10 vezes. Em agosto, por maioria simples, apresentou um anteprojeto de lei prevendo a descriminação do aborto. Na época, a ministra garantiu que assumiria o papel de militante e que trabalharia pela sua aprovação. Ela chegou até mesmo a apresentar o esboço do texto ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nelson Jobim. Há pouco mais de um mês, a ministra passou a ter de enfrentar a má vontade sobre o assunto dentro do próprio governo.

"O ideal seria que a ministra entregasse pessoalmente o projeto na Câmara. Mas não podemos nos dar ao luxo de esperar", afirma Gilberta. As feministas preparam-se para entregar o documento na Comissão de Seguridade da Câmara dos Deputados amanhã à tarde. Pela manhã, todo o grupo interdisciplinar terá uma reunião com a ministra Nilcéa. Mesmo sem representar a totalidade do grupo, teoricamente, a Jornada pelo Direito ao Aborto Seguro teria legitimidade para entregar a proposta. A secretaria vai se manifestar sobre a entrega somente depois da reunião com integrantes do grupo. Nos quadros da secretaria, no entanto, há quem avalie que a pressa das feministas será um erro estratégico. Pois, nesse momento de crise, dificilmente deputados vão se empenhar em discutir e aprovar esse assunto.