Título: Células-tronco produzem colágeno
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Vida&, p. A14

Técnica para fazer colágeno humano a partir de uma amostra de pele do próprio paciente está sendo testada em laboratório do Rio

Uma dupla de pesquisadores do Rio conseguiu fabricar colágeno humano a partir de células-tronco adultas. A técnica é inédita no Brasil e pode revolucionar o preenchimento cutâneo, usado em tratamentos estéticos para correção de rugas, sulcos e cicatrizes. O procedimento ainda precisa ser testado em pacientes. Mas as experiências em laboratório são promissoras e têm uma importante vantagem em relação aos métodos tradicionais: como a substância a ser injetada na pele vem do próprio organismo que vai recebê-la, não há risco de rejeição. A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos e na Inglaterra. O primeiro passo é a retirada de um fragmento de pele, de cerca de 1 milímetro a 2 milímetros, do paciente. Deste pequeno pedaço são extraídas as células-tronco, um tipo de célula que pode se diferenciar e constituir diferentes tecidos do organismo.

O mais cômodo é que o alvo seja uma região pouco exposta do corpo. Por isso, em geral, escolhe-se uma área atrás da orelha. Em seguida, o material é isolado e cultivado em placas de vidro ou plástico, onde recebe nutrientes.

As condições naturais em que o organismo sintetiza o colágeno são reproduzidas in vitro. Assim as células-tronco se transformam em fibroblastos, que são as células responsáveis pela produção de colágeno. Depois, o material é colocado em frascos ou garrafas, que são armazenadas em nitrogênio líquido e permanecem congeladas sob uma temperatura de 150 graus abaixo de zero.

"Usamos células-tronco multipotentes adultas que dão origem à pele. Elas estão localizadas na base da epiderme, ou seja, na camada mais externa da pele, ou no entorno dos pequenos vasos sanguíneos que irrigam a derme, que é a camada logo abaixo da epiderme", detalha o histologista Gerson Cotta-Pereira, do Serviço de Imunoquímica e Histoquímica da Santa Casa de Misericórdia do Rio, que fez a pesquisa básica.

O estudo ainda vai ser encaminhado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). O cirurgião plástico responsável pela aplicação do estudo, Ricardo Cavalcanti, observa que o ensaio a ser realizado em humanos vai dar respostas que são essenciais para resolver as dúvidas sobre eficácia, durabilidade e o tempo de absorção do material produzido em laboratório. Além disso, é preciso que se determine o custo do procedimento para definir sua viabilidade econômica.

Segundo Cavalcanti, as duas principais substâncias usadas atualmente para preenchimento cutâneo - gordura enxertada e o ácido hialurônico - são absorvidas pelo organismo em até um ano, o que exige novas aplicações após esse período.

O polimetil metacrilato (PMMA), uma substância mais recente mas que está entrando na moda, embora tenha uma durabilidade prolongada, pode, em determinados indivíduos, provocar reação alérgica.

ESTOCAGEM

O sucesso no teste em seres humanos, segundo Cavalcanti, pode apontar para a criação de um novo tipo de banco como os existentes hoje para armazenagem de sangue, ossos, esperma e dentes, entre outros. "O paciente poderia ter o colágeno dele estocado para usar quando quisesse", diz. A equipe estima em dois anos o tempo máximo para a conclusão do estudo.

A técnica desenvolvida no laboratório da Santa Casa de Misericórdia do Rio é promissora, assegura Hiram Larangeira de Almeida Júnior, secretário do Departamento de Biologia e Genética Molecular da Sociedade Brasileira de Dermatologia. "Produzir colágeno a partir de material autólogo (do próprio organismo) evita a rejeição. Por isso, tem um potencial enorme. É preciso agora vencer a etapa da produção in vitro", diz.

Almeida Junior desenvolve uma pesquisas na área de cultura de fibroblastos. O especialista enfatiza, porém, ser essencial conseguir realizar o procedimento de forma que o custo não impeça a sua viabilidade.