Título: Amorim faz primeira visita política aos EUA em 3 anos de governo Lula
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Nacional, p. A9

Encontro com Condoleezza segue-se à tentativa de criar canal direto entre Casa Branca e Planalto, frustrada pela saída de Dirceu

Mais de dois anos e meio depois do início do governo Lula, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, faz hoje sua primeira visita eminentemente política a Washington. Sob críticas e desgastado em casa pelos tropeços da política externa que comanda, o chanceler terá reunião seguida de almoço com a secretária de Estado, Condoleezza Rice. Amorim conversará também com o subsecretário político do Departamento de Estado, Nicholas Burns, e com o vice-secretário de Estado Robert Zoellick, que até o ano passado foi seu principal interlocutor nas até agora improdutivas negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Zoellick visitará o Brasil na semana que vem e deve encontrar com, entre outros, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

A agenda de Amorim abrange todo o leque de temas bilaterais. Os mais urgentes devem, porém, receber atenção especial. Um deles é o comércio, onde há dois assuntos prementes: como assegurar o sucesso da próxima reunião ministerial da OMC em Hong Kong, do qual depende o desfecho da Rodada de Doha, até meados do ano que vem; e o que fazer com a Alca, um fiasco hemisférico que o Brasil e os EUA presidem conjuntamente. O chanceler deverá falar sobre os dois assuntos amanhã, quando discursará numa reunião do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.

Outro tema relevante é a continuação da liderança militar brasileira na força de estabilização da ONU no Haiti. Amorim deverá tratar ainda com Condoleezza e seus outros interlocutores dos malparados preparativos da Quarta Cúpula das Américas, marcada para o início de novembro, em Mar del Plata. Na falta de temas substantivos, os americanos temem que o evento se transforme em palco para o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, armar uma confrontação com o presidente americano George W. Bush. Há, por fim, que acertar a agenda da visita de trabalho que Bush fará a Brasília, depois de participar da cúpula hemisférica.

A viagem de Amorim é significativa também porque ocorre depois que os escândalos de corrupção que abalam o governo Lula atropelaram esforços iniciados por altos funcionários americanos e brasileiros para estabelecer um canal de comunicação direto entre a Casa Branca e o Planalto, sem passar pelo Itamaraty, visto na capital americana como a origem do desinteresse brasileiro por um aprofundamento da relação com os EUA.

O protagonista brasileiro da operação foi o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Tendo perdido espaço e prestígio no início do governo, com o escândalo Waldomiro Diniz, Dirceu identificou na ocupação do vazio deixado pelo Itamaraty nas relações com os EUA possível veículo para sua recuperação. Segundo fontes oficiais dos dois países, quem preparou o caminho foi o empresário Mário Garnero, amigo de Dirceu e que cultiva antigas ligações com o ex-presidente George Bush, pai do atual.

A iniciativa produziu efeitos. Numa visita a Washington, Dirceu manifestou seu apoio à retomada das negociações da Alca. Outro resultado foi a viagem da secretária de Estado, Condoleezza Rice, ao Brasil.