Título: Conar: 'É proibido proibir'
Autor: Carlos Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Economia & Negócios, p. B11

Órgão completa 25 anos com histórias em defesa da liberdade de expressão e da ética na publicidade

É proibido proibir. A frase de Caetano Veloso é, na opinião do presidente do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) e diretor da TV Globo, Gilberto Leifert, a mais perfeita tradução daquilo a que se propõe o órgão criado há 25 anos e que tomou para si a tarefa de defender a liberdade de expressão comercial e, ao mesmo tempo, o direito dos consumidores diante da propaganda abusiva ou enganosa. Em defesa do consumidor , o Conar tirou do ar, ao longo desse tempo, campanhas publicitárias de mau gosto e outras que vendiam gato por lebre. Em defesa do direito de expressão, contrariou políticos poderosos que se insurgiram contra o uso da sua imagem ou de suas palavras em propagandas.

Em abril de 1997, por exemplo, manteve a campanha da empresa Vale Refeição (VR), que o então presidente Fernando Henrique Cardoso queria ver fora do ar, por meio de representação encaminhada ao Conar. Nessa época, o debate no País tinha como foco a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que acabou arrematada pelo consórcio liderado por Benjamin Steinbruch e coordenado por Daniel Dantas, do Opportunity, com apoio de fundos de pensão de estatais. Questionado por repórteres sobre o processo de venda, diante de manifestações públicas contrárias ao processo, Fernando Henrique ironizou: ¿Vale, hoje? Vale o quê? Vale refeição?¿.

A empresa que tem esse nome, da família Szajman, lançou uma campanha de oportunidade (que aproveita um fato do momento para vinculá-lo ao produto ou serviço) criada pela agência ADD, então do Grupo Young & Rubicam, com a pergunta: ¿Vale? Que vale? Vale Refeição? Quer saber o que é melhor para seus funcionários? Pergunte ao presidente¿. A decisão do Conar, que não viu motivo para sustar a propaganda da VR, foi acatada por Fernando Henrique.

Com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, a questão foi mais séria. Em maio de 1991, Cláudio Vieira, secretário-executivo do então ocupante do Palácio do Planalto (o primeiro a perder o mandato por processo de impeachment), entrou com representação no Conar pedindo a suspensão de uma campanha publicitária do jornal Folha de S. Paulo. Em anúncio e comercial criados pela agência W/Brasil, o jornal reproduzia reportagens falando da contratação de agências de publicidade sem licitação e lançava a pergunta: ¿Em 1990, a Folha de S. Paulo publicou essas notícias (imagens das reportagens). Em represália, o governo recorreu à lei de imprensa da época da ditadura e está tentando colocar quatro jornalistas na cadeia. (...) Mas quem lê a Folha sabe que ela não ofendeu o sr. presidente. Apenas mostrou a realidade dos fatos (...)¿. O Conar manteve a campanha no ar e Collor, inconformado, levou a questão à Justiça.

O momento mais difícil enfrentado pelo atual presidente do Conar , no cargo desde 1998, foi a proibição da publicidade de cigarros no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o atual prefeito de São Paulo, José Serra, ocupava o Ministério da Saúde. ¿Por iniciativa do próprio Conar, têm sido incorporadas restrições a campanhas publicitárias de tabaco, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas e medicamentos. Mas o que se fez com o tabaco, que teve a publicidade totalmente banida da mídia, foi uma proibição arbitrária, que contraria o preceito constitucional da liberdade de expressão, que pressupõe o acesso aos meios de comunicação, ainda que com regras específicas¿, diz Leifert.

Por isso mesmo, explica, o Conar se antecipou ao debate sobre a proibição da publicidade de cerveja e criou, no fim de 2003, um código com regras para campanhas sobre a bebida, abolindo desenho de animação, que aproximava as campanhas do público infantil, como a tartaruga da Brahma, e adotando uma série de medidas restritivas, de forma a preservar a comunicação com o consumidor.

Cerveja, aliás, é um assunto que tem dado dor de cabeça ao Conar. Exemplo disso ocorreu em 2004, quando o cantor Zeca Pagodinho, que mantinha contrato com o Grupo Schincariol para o lançamento da Nova Schin, apareceu em campanha da Brahma, da AmBev. Com base na quebra de contrato, o Conar decidiu suspender a campanha da Brahma, pois o compromisso do cantor com a Schin vigorava até setembro de 2004. No próximo dia 29, no Teatro do Maksoud Plaza, o Conar reúne seus fundadores para uma festa e o lançamento do livro Conar 25 anos ¿ Ética na prática, que reúne alguns dos casos mais importantes e curiosos, recolhidos pelo jornalista Ari Schneider entre os mais de 5 mil já julgados pelo órgão.

Entre eles, uma representação que partiu de autoridade do governo em nome de consumidores ofendidos por campanha criada pela W/Brasil para o amaciante de roupas Mon Bijou, da Bombril, exibida em 1991. A campanha mostrava dois bebês, um de fralda rosa e outro de azul, rolando na cama, ao som da canção Café da Manhã, de Roberto Carlos (Nos lençóis macios, amantes se dão/Travesseiros soltos, roupas pelo chão). Segundo a autoridade, consumidores queixavam-se da insinuação de sexo entre os bebês. O Conar discordou e absolveu os bebês e o comercial.