Título: Um mercado virtual de milhas
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Economia & Negócios, p. B9

Classificados de compra e venda de milhagem de empresas aéreas na internet estão cada vez mais comuns

Em busca de um dinheirinho extra ou de uma viagem baratinha, há muita gente comprando e vendendo milhas de companhias aéreas. Nos classificados da internet, nas comunidades virtuais tipo Orkut, é comum encontrar anúncios de compra e venda de milhas. Há até agências especializadas, no Brasil e no exterior, que vivem disso. A prática não é correta, mas não chega a ser ilegal. Pelas regras de programas como o Smiles, da Varig, e também da maioria das companhias em todo o mundo, as milhas pertencem às empresas. Ao resgatar os prêmios (um bilhete ou um upgrade) é permitido ao participante transferi-los a um parente ou amigo. ¿O programa não permite transferir milhas para a conta de outro participante nem que se comercialize as milhas¿, diz o vice-presidente de Marketing da Varig, Faustino Pereira. A empresa não pretende, contudo, restringir as regras para evitar a comercialização. ¿Não vamos penalizar quem opera direito em detrimento de uma minoria que se aproveita indevidamente.¿

Para poder viajar com a namorada para o Peru sem desembolsar muito dinheiro, o engenheiro Rafael T. apelou aos amigos no Orkut e enviou uma mensagem de ¿compro milhas¿. ¿Recebi várias respostas¿, diz Rafael, que prefere não revelar o sobrenome. ¿A maioria era gente que viajava muito pela empresa, acumulava milhas e não tinha como usar.¿ Ele pagou pelas milhas menos da metade do preço da passagem normal. ¿Faria de novo. Eu uso muito as minhas milhas e sei como é vantajoso¿, diz o engenheiro.

A proliferação de parcerias e acordos promocionais que permitem o acúmulo de milhas ¿ em compras no cartão de crédito, por exemplo ¿ tem contribuído para aumentar o número de milhas nas mãos dos participantes de programas de fidelidade.

Se todos os 163 milhões de participantes desse programas no mundo resolvessem exercer seus prêmios, daria para fazer o equivalente a 23 milhões de viagens de ida e volta à Lua. São 16 trilhões de quilômetros ou 10 trilhões de milhas, calcula a revista especializada Inside Flyer. Convertendo em dinheiro, outro estudo, da revista britânica The Economist, calculou em US$ 700 bilhões o estoque global de milhas. É mais do que todas as cédulas de dólar em circulação no mundo. É tanta milha que existem até agências e intermediários que vivem disso, como é o caso da JB Milhas, uma das mais antigas do ramo.

As milhas costumam ser vendidas em lotes de 20 mil ¿ suficiente para uma viagem de ida e volta no Brasil ou para a América do Sul. Como o lote de 20 mil custa cerca de R$ 1 mil, a grande demanda é para viagens no continente sul-americano. ¿Não compensa comprar milha para voar no Brasil¿, diz Janice Brasil, sócia da JB Milhas. Como se trata de um mercado informal, sem proteção dos órgãos de defesa do consumidor, é preciso tomar cuidado. ¿Temos um cliente que foi vítima de fraude de uma pessoa que vendia pontos da TAM e emitia bilhetes falsos. Perdeu R$ 6 mil¿, conta Janice.

Para evitar problemas com as companhias, a brasileira Hélice Tours avisa aos clientes que não compra nem vende milhas, apenas faz o meio-campo entre compradores e vendedores. Pelas regras da agência, quem vende estabelece o preço e a agência busca um comprador. Quem vende precisa emitir o bilhete em nome do comprador. A agência também centraliza os pagamentos, para evitar calotes, e cobra R$ 25 pelo serviço. ¿Nós só saldamos o pagamento com o vendedor das milhas ao receber o bilhete emitido¿, diz Daniel Pocce, agente de viagem da Hélice Tours.