Título: O desafio da produtividade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Notas e Informações, p. A3

A indústria brasileira voltou a ganhar produtividade. Desse modo, ela se torna mais competitiva e mais apta a suportar os efeitos da desvalorização do dólar, que barateia as importações e dificulta as exportações. Esta é uma boa notícia que vem acompanhada de outra novidade, também animadora. Agora, esse ganho apresenta um novo padrão. É bem menos cruel do ponto de vista social do que o aumento da eficiência do setor manufatureiro observado na década passada. Naquele período também se registrou um notável aumento da produtividade industrial, mas seu custo foi a redução do número de empregados em boa parte dos setores. Desta vez, há aumento tanto da produção como do nível de emprego. Esta nova etapa da evolução da indústria brasileira é descrita num estudo recentemente divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), com o título 'Expansão da Produtividade no 1º Semestre'. O estudo identifica o período de 1998 a 2003 como o de estagnação do crescimento da produtividade industrial no País, pois a maioria dos setores apresentou variação negativa. Essa estagnação sugere o esgotamento do processo iniciado na virada dos anos 80 para os 90, quando a maior eficiência do setor industrial foi garantida pela redução do emprego. Daqui para a frente, o aumento contínuo da produtividade passará a depender cada vez mais de investimentos em tecnologia. Há cerca de uma década e meia, a indústria brasileira foi submetida a um choque feroz de competitividade, decorrente da abertura rápida do mercado doméstico, que exigiu respostas imediatas. Setores que mostraram hesitação naquele momento se viram ameaçados de extinção. O que resumiu bem os problemas da indústria foi o emprego da expressão 'carroça' para designar os veículos nacionais. Não sem motivo, foi a indústria automobilística que respondeu de maneira mais intensa, e socialmente mais 'feroz', ao desafio. Modificou a linha de produtos, buscou eficiência e o resultado foi o crescimento contínuo, e às vezes espantosamente rápido, da produtividade. Em 1990, cada empregado produzia o equivalente a 6,61 veículos por ano. Quatro anos depois, o índice subira para 12,95, praticamente o dobro. E não parou de subir. Já o número de empregados diminuiu de 138 mil em 1990 para 90,7 mil em 2003.

Mas não foi só a indústria automobilística que mudou. O choque de competitividade da década passada promoveu uma mudança notável na estrutura industrial brasileira. Setores tradicionais, como as indústrias têxteis, de vestuários, de calçados e de máquinas, perderam peso no total do valor adicionado. Indústrias de refino de petróleo e as ligadas ao agronegócio ganharam importância. Mas a indústria como um todo perdeu participação na geração de emprego no País: em 1990, ela respondia por 23,4% do emprego total; em 2003, por 19%. Setores que mais ganharam produtividade nesse período foram também os que mais reduziram o emprego.

Esse padrão de aumento de eficiência com redução do nível de emprego foi interrompido no período 1998-2003, quando a produtividade ficou estagnada. A mudança para um novo padrão começou no ano passado e se manteve no primeiro semestre deste ano, de acordo com o estudo do Iedi. Os setores que expandiram tanto a produtividade como o número de horas pagas são os que lideraram a expansão industrial no primeiro semestre, os de bens de capital e de bens de consumo duráveis. A recuperação dos salários, ainda lenta, tende a estender também para a indústria de bens de consumo não-duráveis os aumentos de produtividade. Se parte desses ganhos foi repassada para os salários, a recuperação será mais rápida e mais sólida.

A indústria está diante de novo desafio: aumentar a produtividade com crescimento do nível de emprego. Na década passada, se defrontou com outro, o de enfrentar a concorrência externa, e respondeu bem a ele. Desta vez, para ter êxito, deverá não apenas aumentar sua capacidade de produção, mas também produzir com mais eficiência. Isso exige investimentos em tecnologia, que não foram feitos no volume necessário na década passada. Da resposta que a indústria der a esse desafio dependerá a competitividade da economia brasileira.