Título: Imigração clandestina
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O governo mexicano fez uso de seus direitos soberanos ao suspender, a partir de 23 de outubro, o acordo que, desde fevereiro de 2004, dispensava da exigência de visto de entrada os turistas e homens de negócios brasileiros que viajavam para o México. Ao governo brasileiro restou aplicar ao caso o Decreto nº 82.307/78, que determina a reciprocidade de tratamento. Assim, brasileiros e mexicanos terão de perder tempo em repartições consulares e gastar algum dinheiro em taxas, sempre que tiverem de visitar, uns o México, outros, o Brasil. Volta-se à incômoda situação anterior a 2004, com uma diferença. Os vistos que então eram concedidos tinham vigência curta e permitiam apenas uma entrada no país visitado. Agora, segundo anunciou a chancelaria mexicana, o visto de turismo terá validade por cinco anos e o de negócios, três anos, sendo permitidas múltiplas entradas. O retrocesso nas relações entre os dois países deve-se à incapacidade do governo brasileiro de conter o fluxo de brasileiros que, ingressando no México como turistas, dali procuravam entrar nos Estados Unidos, como imigrantes ilegais.

Reportagem publicada no Estado de sexta-feira mostra como aumentou a atividade dos 'coiotes' em Governador Valadares, nos últimos dias. Não faltaram comentários, em tom depreciativo, de que o governo mexicano somente denunciou o acordo de vistos com o Brasil cedendo às pressões de Washington. É forçoso reconhecer, no entanto, que nenhum país se dispõe de bom grado a ser ponto de passagem para uma corrente de migração clandestina que envolve a prática de delitos de vários tipos, inclusive homicídios.

Sob esse ponto de vista, o governo mexicano não poderia tolerar por mais tempo os inconvenientes, inclusive políticos, causados pelo fluxo de imigrantes ilegais brasileiros. Ao que se informa, Brasil e México tentaram, durante meses, encontrar uma solução para o problema. Enquanto isso, aumentava a quantidade de brasileiros que chegavam ao México, o que obrigou as autorida des daquele país a fazer uma triagem mais rigorosa, nos portos de entrada. Assim, em 2004, foram impedidos de entrar no México mais de 5 mil brasileiros que não souberam explicar os motivos de suas viagens. De janeiro a julho de 2005, 7.178 brasileiros tiveram sua entrada no México negada e 1.304 foram deportados. Esses foram os brasileiros que não conseguiram chegar até a fronteira com os EUA. Os que entraram no Texas dobram o número. Os brasileiros já representam 20% dos estrangeiros detidos no Vale do Rio Grande por terem entrado ilegalmente nos EUA. Desde outubro do ano passado - quando se iniciou o ano fiscal norteamericano -, foram detidos 15.428 brasileiros que entraram ilegalmente nos EUA, a partir do México. No ano fiscal anterior, o número de brasileiros detidos no Rio Grande foi de menos da metade deste.

Está havendo, como os números mostram, um movimento crescente de migração ilegal, a partir do México. E esse não é um problema apenas das autoridades mexicanas e norteamericanas. É, também, e principalmente, um problema das autoridades brasileiras. Cabe a elas zelar pelo bemestar e pela incolumidade dos súditos brasileiros, onde quer que se encontrem. O Itamaraty faz a sua parte, por exemplo, ao instalar consulados nas cidades norte-americanas mais procuradas pelos imigrantes ilegais brasileiros, hoje estimados em mais de 1 milhão. Essas repartições dão a assistência possível aos brasileiros que se submetem, freqüentemente, a duríssimas condições de trabalho para fazer um pé-demeia que não poderiam acumular no Brasil. Mas o governo brasileiro não pode abrir postos consulares nas barrancas do Rio Grande. E é por lá que passam, todos os anos, dezenas de milhares de brasileiros em busca do Eldorado americano. Não estão eles apenas infringindo as leis de imigração, tanto do México como dos Estados Unidos.

Mais do que isso, eles estão arriscando suas vidas nas mãos dos 'coiotes', que cobram entre US$ 5 mil e US$ 10 mil para guiá-los através de uma das fronteiras mais policiadas do mundo. Isso vem acontecendo há anos, sem que as autoridades nacionais tenham se abalado a dotar o País de uma legislação que puna o aliciamento e o envio de brasileiros, para fins ilegais, além das fronteiras.