Título: Uma oportunidade perdida
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

Por sugestão do Ministério da Fazenda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou um dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permitiria reduzir substancialmente o grau de irrealismo do processo orçamentário brasileiro. A lei determinava que o Poder Executivo e o Congresso Nacional, por intermédio da Comissão Mista de Orçamento, aperfeiçoassem a metodologia utilizada nas estimativas de receitas orçamentárias e das principais despesas obrigatórias. A determinação parecia racional e lógica. Mas não ao Ministério da Fazenda, que propôs o veto. As previsões de receitas e despesas, nos últimos anos, têm apresentado discrepâncias extraordinárias com relação aos valores efetivamente registrados. Muito acima do que pode ser considerado como margem de erro comum a todas as estimativas. Na proposta orçamentária para 2005, encaminhada ao Congresso em agosto do ano passado, por exemplo, a então Secretaria da Receita Federal estimou que as receitas primárias da União, excluídas as do INSS, atingiriam R$ 349,7 bilhões.

Em fevereiro deste ano, quando editou o primeiro decreto de contingenciamento orçamentário, o governo refez os seus cálculos e projetou receitas de R$ 361,8 bilhões, sem as do INSS ¿ R$ 12,1 bilhões a mais do que a previsão de agosto. Mesmo assim, esse novo valor é substancialmente menor do que o que vai efetivamente ocorrer. Na avaliação do quarto bimestre, divulgada na última sexta-feira pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a nova estimativa do governo para as receitas da União em 2005, excluídas as do INSS, é de R$ 372,8 bilhões - ou seja, R$ 11 bilhões acima do valor do primeiro decreto de contingenciamento e R$ 23,1 bilhões acima do valor que consta da proposta orçamentária de agosto do ano passado.

Os integrantes da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional consideram que a receita da União apresentada na proposta orçamentária está sempre subestimada. Esta é a experiência dos últimos anos. Por isso mesmo, elevam a previsão das receitas, valendo-se do preceito constitucional que dá ao Legislativo o direito de revisar a arrecadação por erros ou omissões. Para este ano, por exemplo, o Congresso aumentou as receitas, exceto as do INSS, para R$ 374,76 bilhões. Este é o valor que consta da lei orçamentária. Ele está muito próximo da nova previsão do próprio governo ¿ a diferença é de apenas R$ 2 bilhões. Com os recordes continuados de arrecadação que vêm sendo registrados pela Receita Federal do Brasil, é provável que até o final deste ano a receita total até supere o valor previsto na lei orçamentária.

No passado, para obter a receita necessária às suas emendas ao Orçamento, os parlamentares criavam novos tributos ou aumentavam as alíquotas dos existentes. Quando a carga tributária chegou ao seu limite, os parlamentares passaram a incluir no Orçamento uma previsão para as chamadas ¿receitas atípicas¿, como ocorreu no ano passado. As ¿receitas atípicas¿ são aquelas que ocorrem uma única vez, como é o caso de pagamento de tributos atrasados. Mas elas são, por definição, imprevisíveis. Por isso, essa é uma prática que leva a distorções.

As previsões sobre as despesas estão sujeitas também às mesmas deformações. A proposta orçamentária para 2005 previa despesas totais de R$ 342,1 bilhões, sendo que R$ 265 bilhões eram obrigatórias, incluindo os benefícios previdenciários e as despesas do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. Quando o governo baixou o primeiro decreto de contingenciamento, em fevereiro, informou que as despesas totais tinham passado para R$ 349,4 bilhões, sendo que as obrigatórias tinham passado para R$ 277,9 bilhões ¿ uma diferença de R$ 12,9 bilhões.

Com base na projeção de que as receitas da União ficariam R$ 15,2 bilhões abaixo do que estava projetado na lei orçamentária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um contingenciamento de R$ 15,9 bilhões nas dotações orçamentárias. Na época, os consultores da Comissão de Orçamento protestaram, por meio de nota técnica, contra a falta de informações do governo sobre a alegada frustração das receitas e também sobre a reestimativa, a maior, das despesas obrigatórias.

Na verdade, sabe-se agora, que não haverá frustração de receitas. Ao contrário, a carga tributária deste ano será a maior de toda a história do País. O contingenciamento foi feito, portanto, para acomodar despesas obrigatórias que tinham sido inicialmente subestimadas na proposta orçamentária encaminhada ao Congresso e para abrir espaço para um superávit primário maior do que o previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. A LDO prevê um superávit primário do setor público de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2005, mas as últimas informações dão conta de que o governo trabalha com um superávit em torno de 5% do PIB.

O Brasil deve caminhar, como qualquer nação civilizada do mundo, para um processo orçamentário que produza uma peça realista. Ou seja, para que os valores das despesas e das receitas, estimados na lei orçamentária, fiquem próximos daqueles efetivamente registrados. Em outras palavras, para que as prioridades orçamentárias aprovadas pelo Congresso sejam executadas pelo Executivo. Atualmente, o Orçamento é uma peça de ficção, pois o governo executa as despesas que bem entende e nos valores que lhe convém. Tudo é feito por simples decretos, à revelia da lei orçamentária. Tudo indica que o processo de faz de conta continuará, com o veto feito na LDO pelo presidente.

LEI KANDIR

O entendimento que predomina no Ministério do Planejamento é o de que o veto do presidente Lula ao dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias que excluía do limite de despesas correntes da União para 2006, fixado em 17% do PIB, não inviabiliza a compensação aos Estados pelas perdas de receitas com a Lei Kandir. Esta lei isentou as exportações de produtos primários e semi-elaborados do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O Ministério do Planejamento entende que, como despesa obrigatória, a compensação pela Lei Kandir poderá ser paga com a receita tributária que exceder o limite de 16% do PIB fixado para a arrecadação administrada pela Receita Federal do Brasil. Esta alternativa, no entanto, reduz o espaço que os parlamentares terão para as suas emendas individuais.