Título: Valério era facilitador de negócios, diz dona do Rural
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2005, Nacional, p. A9

A presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo, disse ontem ao Conselho de Ética da Câmara que o empresário Marcos Valério de Souza era um "facilitador" para a instituição financeira. Segundo ela, Valério atuava como lobista da instituição e foi quem agendou encontros formais e informais da direção do Rural com o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu entre 2003 e 2004. "Na verdade, o Marcos Valério era um marcador de encontros, era uma pessoa que circulava dentro do banco com alguma assiduidade e identificava algumas possibilidades", disse a banqueira ontem em depoimento que integra o processo o pedido de cassação de Dirceu.

Segundo ela, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares também era visto circulando com Valério pelo prédio do banco. O Rural, disse ela, tinha interesses específicos nos contatos com Dirceu, como o fim da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, mas também via neles uma forma de abrir canal de diálogo permanente com o governo federal. "É interessante para qualquer empresário manter interlocução com o chefe da Casa Civil. Queríamos manter uma interlocução continuada, mas tínhamos bastante interesse específico nessa questão (do Banco Mercantil)."

O primeiro encontro da cúpula do Rural com Dirceu, segundo Kátia, foi no início de 2003 e teve a participação de seu pai e fundador da instituição, Sabino Rabello, que procurou o ministro para tratar da liquidação do banco pernambucano e de um projeto de exploração de nióbio. Em seguida, a própria presidente do Rural e Valério tiveram audiência com Dirceu, no Palácio do Planalto, para tratar do mesmo assunto.

Um ano depois, em agosto de 2004, Marcos Valério voltou a oferecer à diretoria do Rural encontro com o ex-ministro, em uma de suas viagens a Belo Horizonte. Desta vez, a pedido de Dirceu, foi realizado jantar, no qual estiveram presentes Kátia e um diretor do banco, além do próprio Valério.

De acordo com a banqueira, em nenhuma dessas oportunidades ela ou um dos participantes fizeram menção a empréstimos que o Rural concedeu ao PT ou a Valério, para serem repassados ao partido. Ela mesma disse que só tomou conhecimento mais tarde, por intermédio de Valério, de que um dos empréstimos tinha sido canalizado para pagar dívidas de campanha do PT.

A banqueira disse que o Rural nunca foi favorecido no atual governo e que todos os empréstimos - inclusive os concedidos à ex-mulher de Dirceu - foram viabilizados pelo ex-vice-presidente do Rural José Augusto Drumond, amigo de Valério morto em 2004. Kátia disse que os vultosos saques feitos pelos funcionários e indicados de Valério no Rural - pelo menos R$ 32 milhões entre 2003 e 2004 - eram normais e compatíveis com a movimentação financeira de suas empresas, mas declarou-se surpresa com o fato de uma sala da agência de seu banco em Brasília ser usada para repassar numerários a deputados e assessores políticos.

"O vice-presidente tinha um tipo de gestão muito pessoal e pouco hierárquica e pode ter pedido tratamento especial para esse cliente (Valério)", disse Kátia Rabello.