Título: O Copom e seus camelos
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

Quando o beduíno diz "confie em Alá, mas amarre bem o seu camelo" dá uma demonstração de sabedoria, mas, ao mesmo tempo, indica que suas convicções não são tão firmes como alardeia. Dualidade parecida permeia as manifestações das autoridades do Banco Central. Um é o tom de suas mensagens transmitidas pessoalmente ao público; e o outro é o que transparece dos documentos institucionais.

Quando dão entrevistas à imprensa ou quando fazem pronunciamentos em eventos pelo País, mostram-se mais otimistas do que nos relatórios e nas atas do Copom.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por exemplo, vem afirmando que estão dadas as condições para que a economia inicie a trajetória de círculo virtuoso, o que, em princípio, convida os agentes econômicos a investirem - até porque o crescimento da capacidade de produção é a melhor maneira de matar no ovo eventual inflação de demanda. Mas, nos documentos formais, deixa que as dúvidas preponderem sobre as certezas e, por aí, o empresário é estimulado a preparar-se mais para puxar o freio de mão do que para engatar terceira marcha.

E, no entanto, essas manifestações - todas e não apenas as formais - são instrumentos pelos quais a autoridade monetária opera sua política de gerenciamento das expectativas, de maneira que os agentes econômicos trabalhem em melhor sintonia com o Banco Central e facilitem a convergência da inflação para as metas.

Ontem, por exemplo, saiu a ata do Copom correspondente à reunião do dia 14. Lá há elementos pelos quais o Banco Central manifesta o entendimento de que as coisas melhoraram ou, mais especialmente, que a meta de inflação vai sendo afinal atingida, depois de meses a fio em que disso se duvidou.

Lá está dito que, a juros de 19,75% ao ano (depois cortados em 0,25 ponto porcentual) e a um câmbio de R$ 2,35 por dólar, a inflação deste ano tende a ficar abaixo dos 5,1%, que é a meta.

Também vai sendo reconhecido que a trajetória dos IGPs está derrubando os preços no atacado; que está facilitando a obtenção da meta de 2006; que essa queda dos preços no atacado está sendo transferida para o varejo (custo de vida); e que, do cenário externo, favorável para o refinanciamento da dívida pública brasileira, não se esperam surpresas desagradáveis.

Apesar de ter passado o recibo de que os fundamentos da economia estão bem mais consistentes, o tom geral da ata é o de que não se deve contar demais com a proteção de Alá e que o comportamento dos camelos deve ser patrulhado com redobrada atenção para evitar que fujam e ponham tanta coisa a perder.

O recado subjacente é de que, se tudo correr dentro do previsto, é provável que em outubro os juros possam cair meio ponto, para 19% ao ano e que, daí para frente, possam cair mais.

Há, em princípio, apenas duas incertezas que poderiam interromper a trajetória de queda dos juros. A primeira delas refere-se ao comportamento dos preços internacionais do petróleo. E a segunda, ao eventual impacto do ajuste do déficit externo dos Estados Unidos. Ambas as incertezas são levadas em conta, mas de nenhuma delas o Banco Central espera jogo adverso capaz de inverter a boa fase atual.

Mas a sensação que fica é a de que a maior consistência dos fundamentos da economia brasileira permitiria uma queda maior e mais rápida dos juros do que vem pretendendo o Banco Central. E o que falta?