Título: OMC tenta acerto decisivo hoje em Paris
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2005, Economia & Negócios, p. B11

Os quatro principais atores das negociações comerciais - Estados Unidos, Brasil, União Européia (UE) e Índia - tentarão hoje desbloquear as negociações da Organização Mundiald do Comércio (OMC) em uma reunião na embaixada brasileira em Paris. O Itamaraty pretende pressionar a UE e os Estados Unidos para que flexibilizem suas posições nas negociações agrícolas para que a reunião ministerial que ocorre em Hong Kong em dezembro não repita fracassos anteriores. Mas tanto Bruxelas como Washington até agora não deram indicações de que estão próximos de um acordo, como demonstraram em reuniões bilaterais ontem na capital francesa. "Vamos tentar montar um plano de ação para levar adiante as negociações", afirmou o chanceler Celso Amorim. Para a comissária de Agricultura da UE, Mariann Fischer Boel, o encontro de hoje pode servir para que se estabeleça uma agenda de trabalho exatamente para tratar desses pontos delicados.

À beira de uma crise, a entidade máxima do comércio corre contra o relógio. Ontem, os ministros desses principais atores da OMC passaram o dia em reuniões bilaterais para tentar aproximar as posições. Mas a realidade é que Brasil e Índia chegam à reunião de Paris com posições mais confortáveis. Isso porque o G-20, grupo formado por países emergentes, já fez propostas em todas as áreas das negociações agrícolas: subsídio doméstico, subsídio às exportações e redução de tarifas aduaneiras. "A bola agora está no campo dos países ricos", afirmou um negociador brasileiro.

O Itamaraty insistiu já desde ontem com o representante da Casa Branca para o Comércio, Rob Portman, para que dê indicações de como poderá fazer para reformar seus subsídios domésticos à agricultura.

Portman, porém, deixou claro que ainda não está no momento de se apresentar uma proposta americana sobre o tema. Ainda assim, apontou a proposta de cortes de tarifas de importação apresentada pelo Brasil, Índia e outros países emergentes que formam o G-20 como " uma base para as negociações ".

Já com o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, a pressão foi por uma redução das tarifas de importação. "Sabemos quais são nossas obrigações ", afirmou Mandelson, que reconhece que terá de dar acesso " substancial e adicional " para seu mercado. Ele adverte, porém, que certos produtos sensíveis terão de ganhar maior proteção.

A UE ainda defende uma eliminação gradual dos subsídios à exportação. Bruxelas indica que o corte do apoio aos exportadores de açúcar, por exemplo, seria um dos últimos a ocorrer. "Alguns subsídios podem ser eliminados imediatamente, mas outros à médio prazo e alguns em uma data ainda a ser negociada", afirmou Mandelson.

"Os europeus têm dificuldades no capítulo sobre acesso a mercado e os americanos em apoio interno. Temos de tentar aproximar as posições, pois só ganharíamos com isso ", disse Amorim.

Na opinião de analistas, mesmo com a reunião em Paris, dificilmente haverá um acordo enquanto Washington e Bruxelas não entrarem em um entendimento entre eles. As duas potências comerciais afirmam estar prontas para fazer concessões, mas condicionam qualquer movimento à um sinal de flexibilidade do outro.

Ontem, Portman e Mandelson voltaram a se reunir, mas o encontro ainda não conseguiu produzir um entendimento. "Estamos mais próximos ", se limitou a dizer o representante do governo de George W. Bush. Diante dessas diferenças, nem todos estão tão otimista em relação ao encontro de Paris. O Senado americano já deixou claro há poucos dias que não está preparado para aceitar redução drástica de subsídios. Há dois dias, em Bruxelas, os ministros da Agricultura da França, Itália, Espanha, Irlanda, Áustria, Chipre e Hungria se queixaram da forma que a UE está negociando na OMC.

Industriais - Se o Brasil e Índia pressionarão com propostas no setor agrícola, americanos e europeus prometem insistir na necessidade de um abertura dos mercados emergentes para produtos industriais e serviços.

Mandelson se diz preocupado com a falta de avanços no setor de serviços, isso faltando apenas dez semanas para a reunião ministerial em Hong Kong. No que se refere aos cortes de tarifas para bens industriais, o Brasil reconhece que terá de fazer concessões, mas isso dependerá do que irá ganhar no setor agrícola.

"Se houver um corte real nas tarifas agrícolas, vamos ver o que podemos fazer no setor industrial" , afirmou Amorim, que garante que "contempla cortes reais e abranger para um certo número de produtos manufaturados". Para o chanceler, porém, "é falsa a premissa de que temos fazer movimento em produtos industriais para que ocorra uma movimentação na agricultura".

Internamente, a indústria já informou o governo que não estará preparada para aceitar a proposta do Ministério da Fazenda que representaria uma corte de 35% para 10% na média tarifária do País.

Amorim ainda garante que o governo ainda não tomou uma posição final sobre o tema. " Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá ter uma palavra nisso ", disse.

Para completar o dia de reuniões, o diretor da OMC, Pascal Lamy foi convidado por Amorim para um jantar entre apenas os dois em Paris.

Lamy, quando viu a presença da imprensa no local, se apressou para explicar-se: "eu não estou aqui e essa não é uma visita oficial". No mesmo momento, Mandelson deixava a residência brasileira e questinou Lamy: "O que você está fazendo aqui?". Restou para Amorim enfatizar que se tratava "realmente de um luxo" ter as duas personalidades na embaixada brasileira.