Título: Vocação Fatal
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2005, Nacional, p. A6

Lula carimbou o PT como carta fora do baralho e mostrou-se incapaz de fazer política Definitivamente não foi uma boa idéia o Palácio do Planalto divulgar a versão de que o presidente Luiz Inácio da Silva entraria na articulação para organizar a base na disputa pela presidência da Câmara, a fim de evitar uma nova derrota do governo.

Agora, Lula, cujos problemas já são amazônicos, está prestes a contabilizar um novo contratempo, desta vez sem a possibilidade de debitar mais esse na conta do PT nem transferir a culpa à oposição. Sendo ele o articulador, será dele também a fatura pelo fracasso.

A menos que haja, como sempre se suspeita quando o equívoco se evidencia muito óbvio, uma estratégia genial que fuja à compreensão dos normais, pôr Aldo Rebelo para bater chapa no plenário com a oposição é uma manobra de risco ímpar para quem não dispõe de tempo nem de espaço para errar e depois se recuperar.

Ao cair na conversa de que o PT perderia em qualquer hipótese, o presidente fez dois movimentos em um, ambos depreciativos: carimbou o partido como carta fora do baralho no que tange à correlação de forças políticas e mostrou que o governo não consegue fazer um candidato a despeito da existência de nomes na bancada petista bastante aceitáveis ao colegiado, de boa imagem na opinião pública e viáveis, se bem trabalhados.

A condenação do PT à condição de pormenor já havia produzido seu primeiro lance com a abstenção de Lula na eleição de domingo passado; agora, a sentença é confirmada na confissão pública de que, na opinião do presidente, não há entre os 90 deputados do partido um só que seja capaz de conduzir a Câmara, mediante prévio e competente entendimento entre as forças de governo e oposição.

É como se Lula dissesse o seguinte: sem vigor político para impor um candidato ou possibilidade de usar da cooptação por intermédio de fisiologia, o governo não sabe como construir uma situação que lhe seja politicamente favorável.

Por esta e algumas outras, entende-se a razão pela qual o PT recorreu exclusivamente a métodos apolíticos para formar sua maioria no Parlamento. Só sabe - mesmo assim, em termos - mandar e cooptar; sem condições para isso fica a pé e a reboque.

O medo de perder com o PT levou o governo a se abster da tentativa fazer boa figura no ramo da elevada negociação. Convém, como em qualquer ambiente de disputa, deixar sempre no ar a hipótese da realização do improvável, a vitória de Aldo Rebelo.

Embora tal conveniência tenha nos levado, em fevereiro, a ignorar as evidências e apostar que o governo no fim ganharia apenas porque governos sempre ganham quando aliam empenho e habilidade.

Na ocasião, Luiz Eduardo Greenhalgh não perdeu só por ser do PT. Perdeu também por ser Greenhalgh a bordo de suas circunstâncias - aí incluídas arestas profissionais e qualidades pessoais - e por ser governo com, igualmente, as correspondentes circunstâncias.

Aldo Rebelo digamos que seja uma figura mais palatável na Casa do que o candidato oficial de fevereiro. Mas é tão governo quanto ele, talvez até mais pelo fato de ter sido ministro até outro dia, e está longe de unir o PT cuja unidade se fez antes para bombardear a permanência dele na pasta da Articulação Política.

Na ocasião, o governo estava mal, ainda sofrendo os efeitos da eleição municipal, mas não estava péssimo como hoje. Retrato disso é a presença de candidaturas viáveis de oposição, o que não existia na época. Agora, há no cenário nomes lançados por partidos aliados ao Planalto. Se isso pode significar uma divisão de votos oposicionistas, pode resultar também na dispersão dos governistas.

De qualquer ângulo que se olhe, a situação não autoriza otimismo. Requereria, sim, realismo, visão de conjunto, percepção estratégica e principalmente disposição do presidente da República para fazer política com P maiúsculo.

Não por risco concreto de se eleger um novo Severino Cavalcanti; não há o que se compare no horizonte. Mas porque, até contando com a possibilidade de vitória do governo, a atual conjuntura não aconselha a eleição de um presidente sem condições objetivas de comandar, organizar, fazer funcionar a Câmara, mantendo a instituição ao menos com o pescoço acima do nível do lamaçal.

Recíproca

O presidente do Senado, Renan Calheiros, trabalha com afinco pela candidatura de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara não apenas para tirar as chances do companheiro de partido e presidente do PMDB, Michel Temer, mas porque são parceiros de outros carnavais.

Quando era ministro da Articulação, Rebelo ajudou Calheiros trabalhando contra o projeto de José Sarney e João Paulo Cunha para tornarem-se elegíveis por mais um período nas presidências do Senado e da Câmara respectivamente.

Ao paraíso

Se as correntes da esquerda do PT se unirem, como prometem, no segundo turno da eleição pela presidência do partido contra Ricardo Berzoini, será o primeiro lugar aonde a esquerda terá ido unida.