Título: Parabéns aos eleitores da Alemanha
Autor: Anatole Kaletsky
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2005, Internacional, p. A27

Eleitores da Alemanha, eu vos saúdo! No domingo, vocês emitiram um veredicto justo, construtivo e inteligente sobre a sua classse política. O fato de todos os respeitáveis comentaristas do establishment alemão e europeu concordarem em declarar que essa eleição foi um desastre completo - "o pior de todos os resultados possíveis" é o clichê do momento - confirma a principal premissa da democracia: a sabedoria coletiva do povo é geralmente mais sábia que o bom senso convencional da autoconsiderada elite. A eleição na Alemanha foi um triunfo da democracia da mesma forma que foram os plebiscitos na França e na Holanda. Exatamente como aqueles plebiscitos, gerou um impasse político, castrou a diplomacia e paralisou o processo de reforma econômica. Mas a paralisia política era exatamente o que os eleitores alemães queriam - e logo. Eles estiveram certos em votar pela paralisia política pela mesma razão que os franceses e os holandeses estiveram certos em imobilizar a Europa - porque os políticos alemães estavam todos, sem exceções, determinados a empurrar seu país na direção errada e, se você estiver se movendo na direção errada para a beira de precipício, a imobilidade é uma opção melhor do que o dinamismo. Isso foi verdade quando os franceses e holandeses votaram para fazer parar a corrida de cabeça para dentro do precipício do federalismo. E foi ainda mais verdadeiro no domingo, quando os alemães votaram para impedir que seus políticos empurrassem a economia para o penhasco, saindo da estagnação para a depressão cabal.

Isso pode soar perverso, já que o bom senso há muito mantém que um governo forte, de preferência liderado por Angela Merkel, era uma condição indispensável para a Alemanha sair dos calabouços econômicos, exatamente como a Grã-Bretanha fez em 1979. Por exemplo, o Financial Times publicou na primeira página: "A eleição na Alemanha acabou num impasse, lançando dúvidas sobre a capacidade do país de promulgar as mudanças políticas necessárias para fortalecer o trôpego crescimento econômico." A afirmação de que as reformas políticas iriam impulsionar o crescimento econômico foi oferecida não como uma opinião mas sim como um fato evidente.

Porém, se analisarmos essas políticas mais de perto, é óbvio que as reformas econômicas do tipo debatido na eleição - impostos mais altos, redução nos salários, cortes nas pensões - iriam tornar a horrenda situação da Alemanha pior ainda. Se essas fossem as políticas capazes de tirar um país da depressão, então Herbert Hoover seria lembrado como o maior presidente dos Estados Unidos no século 20 e Montagu Norman seria mais celebrado como economista do que Maynard Keynes.

Propor um aumento de imposto sobre o valor agregado num país que vem sofrendo com a queda no consumo e do desemprego em massa durante a maior parte de uma década não é apenas "controvertido", "impopular" ou "politicamente arriscado", como os comentaristas políticos alemães concluíram tardiamente - é irresponsável e destrutivo. Quando frau Merkel propôs combinar o aumento no imposto sobre o valor agregado com taxas mais altas de serviços de saúde, pensões menores e a revogação das isenções de impostos para famílias de baixa renda e proprietários de imóveis, tudo isso em meio à pior recessão que a Alemanha já viveu desde a década de 1930, não estava apenas cometendo uma gafe política.

Estava engajada num ato de vandalismo econômico, e a prioridade máxima dos eleitores alemães foi impedi-la. Isso parece uma explicação perfeitamente adequada para o fracasso dos democrata-cristãos, que registraram sua menor parcela de votos desde 1945.

Infelizmente para os eleitores alemães, as políticas econômicas dos outros partidos eram quase tão ruins quanto. Gerhard Schroeder, tendo presidido sete anos de crescente desemprego, não pôde prometer nada mais encorajador do que a continuação de suas políticas fracassadas, mas com mais volúpia. Dado o fato de que os verdes estavam totalmente implicados no fracasso econômico de Schroeder, enquanto os liberais falharam em se distanciar do sadomonetarismo de Merkel, a única esperança para os eleitores foi amarrar todos os políticos em nós.

Embora a paralisia política fosse uma escolha perfeitamente racional no último domingo para os eleitores alemães, não oferece nenhuma esperança para o futuro.

Assim, como poderá a Alemanha reagir? A resposta é bastante óbvia. Os políticos alemães de todos os partidos têm de entender que cometeram dois erros fundamentais mas facilmente remediáveis. Primeiro, esqueceram a lição econômica fundamental da grande depressão que Keynes descobriu na década de 1930 e nunca foi refutada, nem mesmo questionada, por economistas sérios desde então - uma economia sofrendo com desemprego em massa e baixo consumo precisa ser curada impulsionando-se a demanda econômica. Nenhum economista sério contestaria que uma economia como a da Alemanha de hoje precisa de um impulso na demanda. Porém, a relação simbiótica entre políticas de oferta e a administração de demanda também leva a uma segunda conclusão, muito mais otimista. Em uma economia onde a demanda do consumidor está crescendo, reformas na oferta vão torná-la mais eficiente e próspera. Nessas condições, as reformas econômicas na verdade podem ser populares e fazer os políticos se reelegerem.

Há uma, e apenas uma, exigência para que a Alemanha restaure a fé dos eleitores na política, assim como a autoestima nacional e seu papel diplomático no mundo - a Alemanha precisa de um programa de emergência para expandir a atividade econômica e reduzir o desemprego - não com vagas promessas de mercados de trabalho mais flexíveis e marcados mais competitivos no futuro, mas com firmes comprometimentos de acelerar o crescimento econômico, guiado por políticas fiscais e monetárias expansionistas, implementadas imediatamente.

O único problema dessa prescrição é que as políticas monetária e fiscal agora são controladas pelo Banco Central Europeu e a Comissão Européia e não pelos Parlamentos nacionais. Enquanto o BCE e a comissão mantiverem controle das políticas fiscal e monetária, as reformas econômicas nacionais na Europa estarão fadadas ao fracasso. E os eleitores europeus estarão certos em tratar com desprezo os políticos nacionais que permitem que essa usurpação continue.