Título: A Bolsa decola
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

No fechamento de ontem a Bolsa ficou muito próxima dos 31,3 mil pontos e acumulou, nos primeiros 23 dias de setembro, uma alta de 11,6%. Apenas para comparar, até final de agosto, não tinha avançado mais do que 7,1. Até onde vai esse fôlego? A novidade é a confluência de fatores favoráveis. Bolsa é para onde confluem todos os ventos. A trajetória do Ibovespa é a resultante dessas pressões. Desta vez, há mais ventos soprando em direção à alta do que à baixa.

Um dos ventos favoráveis mais fortes tem a ver com os juros. Se até mesmo o Copom admite que a inflação do ano pode ficar abaixo da meta, está claro que os juros só podem cair. Juros mais baixos significam menos retorno para os aplicadores em títulos de renda fixa. Quando isso acontece, os investidores ficam mais propensos a pingar algum dinheiro nas aplicações de risco, entre as quais estão aninhadas as ações.

O segundo vento forte favorável está relacionado com as boas perspectivas da economia, especialmente a partir da exuberância mostrada pelas exportações. O sistema produtivo pode estar muito próximo da fase que os economistas chamam de círculo virtuoso: maior crescimento econômico, maior aumento do consumo, mais investimentos. Isso tende a elevar o faturamento (e o lucro) das empresas de capital aberto.

O terceiro vento forte é a abundância de capitais ao redor do mundo, num ambiente de grande secura de lucros. Quando muito dinheiro sai à procura de retorno, alguma coisa acaba chegando ao Brasil. De janeiro a 20 de setembro, a entrada líquida de capitais na Bolsa brasileira foi de R$ 3,6 bilhões. Só em setembro foram R$ 672 milhões. Pode não ser muito, mas é sinal de interesse.

Não dá para desprezar, também, o efeito que deverá ser causado pela esperada melhora da percepção internacional sobre a qualidade da dívida brasileira. Nas próximas semanas, é provável que as agências internacionais de classificação de risco melhorem a cotação da dívida brasileira. Se isso se confirmar, entenda-se que as condições da economia brasileira melhoraram. Será um estímulo adicional para que os administradores globais de patrimônio arrisquem mais dinheiro em ações de empresas brasileiras.

Como nada é perfeito - já suspirava a raposa do Pequeno Príncipe -, as forças que empurram a Bolsa para cima enfrentam áreas de incerteza.

A primeira delas é o comportamento da economia mundial. É como o terremoto da Califórnia, que há anos é prenunciado pelos sismólogos. Pode acontecer em 24 horas; pode demorar uma eternidade. O "big one" na economia mundial é o ajuste a ser causado pelo enorme rombo comercial dos Estados Unidos, que em julho era de US$ 730 bilhões em 12 meses. O economista Paul Krugman, que se notabilizou por ter previsto a crise dos tigres asiáticos em 1994, espera um chacoalhão entre abril ou maio de 2006. Se acontecer, os capitais fugirão das ações e procurarão abrigos mais seguros. Mas o desfecho dessas tensões pode continuar sendo indefinidamente adiado ou, então, dar lugar a certa acomodação.

Ainda na economia mundial, há a contabilizar o impacto da alta do petróleo sobre o sistema produtivo que pode, em princípio, abater-se sobre o mercado de ativos globais de risco. Na semana passada, três instituições de peso chamaram a atenção para isso: o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), o Fundo Monetário Internacional e o Grupo dos Sete países mais ricos. A conferir.

Outro risco para a Bolsa brasileira poderá vir da política interna. As eleições presidenciais serão realizadas em outubro e sempre pode aparecer um candidato forte que pregue o chute no balde econômico e apavore os mais sensíveis. Em 2002, mesmo depois da emissão da Carta ao Povo Brasileiro, os mercados temeram pelo que poderia acontecer na economia caso o então candidato Lula vencesse as eleições. Isso pode repetir-se.

Enfim, as cartas estão distribuídas e as apostas, em andamento. É fugir do jogo ou pagar para ver.