Título: Dívida pública ainda é fraqueza latino-americana, adverte Singh
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2005, Economia & Negócios, p. B6

A América Latina continua vulnerável a um choque financeiro, pois o peso de sua dívida pública, embora declinante, ainda é alto, disse ontem o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, Anoop Singh. A dívida ainda é o calcanhar-de-aquiles, disse a jornalistas o economista Guillermo Perry, do Departamento de América Latina do Banco Mundial (Bird). A proporção entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) caiu após 1994, mas voltou a subir a partir de 2001. A diferença é que a composição e o custo do débito melhoraram.

Os juros internacionais, comentou Singh, estão em níveis "historicamente baixos" e, nesse ambiente, "não se pode excluir o risco de súbita mudança no sentimento do mercado". Essa mudança pode ser precipitada por um salto nas expectativas de inflação ou por preocupações sobre como se resolverão os desajustes globais.

O Brasil e outros latino-americanos estão muito mais preparados do que no início da década para enfrentar dificuldades, segundo o economista, mas têm de continuar trabalhando para reduzir o peso da dívida. A outra grande sombra no cenário internacional, destacou Singh, é o preço do petróleo.

Por enquanto, observou Singh, "grande parte da região continua a beneficiar-se de fortes exportações de produtos básicos e matérias-primas e de amplos ganhos de intercâmbio", isto é, na relação entre os preços de exportação e de importação. Mas o cenário internacional, até agora benigno, "torna-se mais preocupante quando se olha à frente".

Guillermo Perry observou, mais tarde, que o aumento de exportações se deve apenas em parte à elevação de preços. O volume exportado também aumentou. Entre 1992 e 1994, segundo o economista, o crescimento latino-americano foi alimentado em boa parte pelo ingresso de capitais privados de curto prazo. Desta vez o ingresso de capitais tem sido muito menor. O dinamismo está associado às exportações e a região tem superávit na conta corrente do balanço de pagamentos.

Perry comentou também que a valorização cambial deve-se muito mais aos ganhos da exportação do que ao ingresso de capitais especulativos. Apesar da valorização, as taxas de câmbio da região continuam competitivas.

Anoop Singh avaliou a situação do Brasil e da América Latina em termos muito positivos, apesar da advertência. Os governos têm conseguido controlar seu gasto, reduzir o peso da dívida pública, melhorar o perfil e captar mais dinheiro em moeda nacional. Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru foram citados como exemplos.

Singh lembrou que vários governos - o brasileiro entre eles - têm antecipado seus compromissos, aproveitando as boas condições do mercado para levantar o dinheiro. Alguns já estão cobrindo as necessidades de 2006.

Quando lhe perguntaram sobre a referência às "incertezas políticas" no Brasil, no relatório sobre Perspectivas da Economia Global, Singh desconversou e preferiu falar sobre as eleições de 2006. Disse que o Brasil e outros países da região podem enfrentar campanhas eleitorais sem risco de instabilidade financeira. Citou Bolívia e Equador, que atravessaram recentes crises políticas: o crescimento não parou e o superávit primário continua a caminho de 5% do PIB.