Título: Vedetes desafiam caciques políticos
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Interancional, p. A22

A Avenida Corrientes - que os moradores de Buenos Aires chamam de "a Broadway portenha" - não é mais o lugar exclusivo onde as vedetes do teatro de revista ostentam suas plumas e paetês. Três divas desse gênero decidiram deixar as escadarias prateadas e os holofotes dos palcos para entrar na política e candidatar-se a deputado pela cidade de Buenos Aires. O trio, de partidos diferentes, é composto por Moria Casán, Zulma Faiad e Ethel Rojo. Elas apostam em sua popularidade, no descrédito dos políticos tradicionais argentinos e na generosidade de seus decotes para ter sucesso nas urnas nas decisivas eleições parlamentares de 23 de outubro.

São veteranas, mas ainda exercem fascínio no público masculino (e simpatia no eleitorado feminino). A mais velha do grupo é a ruiva Ethel Rojo, que do alto de seus 68 anos - e pernas bem torneadas - candidata-se pela Frente Popular, sublegenda do Partido Justicialista (peronista) patrocinada pelo ex-presidente Carlos Menem (1986-89), um apreciador do teatro de revista e, mais especificamente, de suas curvilíneas atrizes.

Outra candidata é Zulma Faiad, que defende sua candidatura afirmando que é "uma mulher com cabeça, e não com uma pena cobrindo as partes íntimas". Ambas prometem genericamente atender às "necessidades do povo".

Mas a estrela do grupo é Moria Casán, famosa por patrocinar uma praia de nudismo e defender os direitos dos travestis e das mulheres espancadas pelos maridos. Crítica feroz do presidente Néstor Kirchner, a quem chama de "déspota", é candidata pelo Movimento Federal de Centro.

A candidatura de Moria foi considerada uma piada no início. No entanto, sua popularidade garantiu imediatamente um bom lugar nas pesquisas, ultrapassando o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, que na sexta-feira desistiu da candidatura a uma vaga na Câmara.

Segundo a consultoria Hugo Haime e Associados, Moria tem 4,3% das intenções de voto, enquanto Cavallo conseguiria apenas 0,6%.

Moria - que não revela a idade, mas, segundo diferentes versões, estaria entre os 50 e 56 anos - é a mais nova do grupo. Ficou famosa como vedete e atriz de chanchadas nos anos 70 e 80. No início dos anos 90, estrelou o programa Na Cama com Moria, no qual, quase à meia-noite, fazia perturbadoras entrevistas com políticos numa cama redonda, à meia-luz. Na virada do século, apresentava um programa no qual o público contava suas desventuras amorosas. Quando os convidados ficavam com os olhos marejados, Moria pronunciava a frase incentivadora que se transformou em bordão: "Se quiser chorar, chora!"

O governo evita criticar as vedetes, especialmente Moria. Todos sabem que ela é implacável quando responde a alguém. Num recente encontro do Fórum Internacional de Mulheres onde estavam Moria e as principais candidatas da cidade, a primeira-dama e candidata Cristina Fernández de Kirchner não apareceu. "Ela se acha a prima-dona, não quer se reunir com as outras", disse Moria.

VALE-TUDO ELEITORAL

Nesta campanha está valendo tudo. O chanceler Rafael Bielsa, esperança de Kirchner para seduzir os portenhos, está fazendo o possível para subir nas pesquisas. Seu partido, o Frente da Vitória (outra sublegenda do peronismo), amarga o terceiro lugar. Para reverter o quadro, aposta no velho axioma político de que que a fé, que move montanhas, também arrebanha votos. Bielsa mostrou seu lado místico ao relatar no programa Almoçando com Mirtha Legrand, que "farejou" a presença da Virgem Maria.

Na véspera, despertara sentindo "um extraordinário perfume de flores e cítricos". Acordou imediatamente a mulher, que não sentiu cheiro nenhum. Mas, religiosa, interpretou que se tratava da Virgem, que se revela aos humanos por meio de perfumes. "Era a Virgem. Por algum motivo estava ali", disse Bielsa à apresentadora Mirtha, que o olhava incrédula.

No amplo espectro de candidatos também se incluem os neonazistas portenhos. Reunidos no Partido Novo Triunfo (PNT), os neonazistas são comandados pelo "führer" Alejandro Biondini. Seus seguidores fazem a saudação nazista e envergam o uniforme dos camisas-pardas, além de celebrar o aniversário de Adolf Hitler. No entanto, o partido de Biondini está proibido de participar de eleições por pregar abertamente o racismo.

Para driblar a proibição, Biondini lançou a mulher, Alicia Quinodoz, e o filho Alejandro César como candidatos no partido Ação Cidadã, uma fachada do PNT.