Título: A ciência está ajudando a vida dos diabéticos a ficar mais fácil
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Vida&, p. A24

A diabete nunca mereceu tanta atenção da indústria farmacêutica como agora. Numericamente, a doença é mesmo tentadora. O planeta tem 190 milhões de diabéticos. Em 2030, será o dobro - 366 milhões, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Só no Brasil, são hoje cerca de 16 milhões, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Além da quantidade gigantesca de consumidores de remédios, a diabete oferece mais uma vantagem, pelo menos para os laboratórios: é uma doença crônica, que precisa de acompanhamento por toda a vida.

Outros números apresentados no 41º encontro anual da Europian Association for Study of Diabetes, associação européia de estudo de diabete, em Atenas, que terminou na semana passada, mostram que, em 2004, os remédios para diabete movimentaram US$ 12,5 bilhões. A previsão é que em 2007 sejam US$ 20 bilhões. Desse montante, dois terços vão para remédios e monitores de glicose; um terço, para insulinas.

Ao menos parte do lucro proveniente do crescente número de pacientes e o conseqüente aumento das vendas de remédios está tendo uma aplicação nobre. A indústria tem investido cada vez mais no desenvolvimento de novas drogas e no aprimoramento dos métodos de aplicação de insulina. Daqui a pouco tempo, os diabéticos terão a seu dispor insulina inalável, insulina injetável com duração maior, além de uma nova classe de remédios, que atua no intestino. Outra novidade serão os monitores de glicose que avisam as bombas de insulina colocadas sob a pele quando elas devem agir.

Boa parte dos próximos lançamentos - e não importa o nome do laboratório ou o tipo de produto - conta agora com uma característica a mais, além de novas ações terapêuticas. A idéia é que os produtos facilitem cada vez mais a vida do diabético. 'Um dos maiores dilemas de quem sofre da doen ça é lidar com as injeções de insulina', conta Denise Reis Franco, endocrinologista da Associação de Diabete Juvenil. 'Além do preconceito com a seringa, dá trabalho carregar injeções, agulhas e algodão aonde for. Mas o maior problema dessa aversão é que ela costuma retardar os tratamentos com insulina.'

INALÁVEL

Um dos produtos mais esperados no mercado farmacêutico, previsto para chegar em 2006, promete facilitar ainda mais o dia-a-dia do diabético: a insulina inalável. Entre os laboratórios que estão apostando na novidade estão Pfizer, SanofiAventis (que juntos criaram o Exubera) e Eli Lilly (produtora do Device). No dia 8 de setembro, o Exubera foi recomendado ao governo dos Estados Unidos pelos conselheiros da agência americana que regula medicamentos e alimentos, a FDA.

Aprovado, ele deve chegar ao mercado americano já no ano que vem.

Já as empresas farmacêuticas Novartis e Eli Lilly prometem, também para o ano que vem, uma nova classe de remédios para o diabético. Até hoje, os medicamentos agiam de três formas principais. Uma, estimulando diretamente o pâncreas a fabricar a insulina. Outra, diminuindo a resistência do organismo à ação do hormônio, ajudando-o a entrar nas células. E, enfim, diminuindo a liberação da glicose pelo fígado - órgão que funciona como reservatório de glicose. A novidade é que a nova geração de remédios terá efeito no intestino, onde, de certa forma, tudo começa.

Quando nos alimentamos, as células do aparelho digestivo fabricam enzimas chamadas incretinas. Elas caem na corrente sanguínea e vão até o pâncreas, onde estimulam a fabricação de insulina. 'Uma pessoa saudável tem elevação média de 60% quando come. O diabético, cerca de 6%', calcula Juliana Oliveira, pesquisadora clínica da Eli Lilly. O remédio da empresa será na forma de injeção. Da Novartis, de pílulas.

Esses remédios prometem, de quebra, uma função importante para quem sofre de diabete: agir no cérebro, aumentando a sensação de saciedade.

Com isso a pessoa come menos e não engorda. 'O excesso de peso atrapalha a ação da insulina', explica Antônio Carlos Lerário, supervisor de equipe médica de diabete do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas. 'É como se as células ficassem saturadas com tanta gordura e passassem a dificultar a entrada da insulina.' A diabete tipo 2, sempre associada à idade adulta, vem crescendo entre crianças e adolescentes por conta da obesidade. Estima-se que nos Estados Unidos, em 80% dos diagnósticos quem sofre de diabete é obeso ou está a caminho disso.

No congresso europeu também foram apresentados monitores de glicose que avisam ao paciente quando a glicose estiver abaixo do normal e que podem se comunicar com as bombas de insulina de infusão contínuas, instaladas sob a pele.

Um deles, batizado de Guardian, já foi aprovado pelo FDA e deve chegar ao Brasil até o início de 2006. É um cateter com sensor, capaz de medir a glicemia a cada cinco minutos e avisar a um aparelhinho via radiofreqüência quando a glicose fugir dos limites determinados pelo médico do paciente. O aviso é na forma de alarme.

A invenção é uma ótima notícia para quem tem dificuldade de identificar quedas de glicose, como as crianças. O cateter deve ser trocado a cada três dias para não haver risco de contaminações. O aparelho também é capaz de armazenar dados sobre curva glicêmica, que poderão ser descarregados em qualquer computador doméstico pelo próprio paciente.

Hormônio na forma inalável já foi aprovado nos EUA e deve chegar ao mercado em 2006

Quem estiver sob tratamento com bombinhas de insulinas (aparelho ligado ao organismo por um cateter subcutâneo que joga no sangue insulina) vai poder contar também no ano que vem com um monitor de glicemia que sugere ao aparelho a quantidade de hormônio que deve ser injetada. Ele também dará a informação sobre a quantidade segura de carboidratos que o paciente tem de consumir.

MILÉSIMOS DE MILÍMETROS

Todas essas novidades são fruto de anos de pesquisa científica. 'A insulina inalável não foi só um desafio médico, mas tecnológico também', conta o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e chefe de endocrinologia do Hospital Heliópolis, Freddy Goldberg Eliaschewitz, médico que acompanha os ensaios clínicos do Exubera.

A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas e tem a tarefa de levar glicose para as células. Sem insulina, o organismo fica sem energia. O sistema nervoso é o único que não precisa de insulina para funcionar.

Quem sofre de diabete tipo 1 (10% dos casos) tem um pâncreas que não produz o hormônio. Na do tipo 2, o órgão não fabrica o suficiente e as células ficam resistentes a ele.

As insulinas tradicionais são jogadas na corrente sanguínea por injeções subcutâneas. Nas inaláveis, o pulmão é usado para espalhar o hormônio pelo corpo. 'O órgão é perfeito. Ele tem uma superfície de absorção enorme. A dificuldade foi embalar a insulina em partículas no tamanho exato para chegarem até o pulmão', explica Eliaschewitz.

Se as partículas fossem grandes demais, haveria o risco, pelo peso, de ficarem paradas no meio do caminho, antes de chegar aos pulmões, como na garganta, traquéia ou nos brônquios. Pequenas demais, poderiam ser levadas pelo ar antes mesmo de serem aspiradas. O tamanho ficou entre um e três milésimos de milímetros.

Outra etapa que precisou ser vencida na fabricação foi em relação ao próprio aparelhinho inalador. 'Eles eram desenhados para tratar problemas até os brônquios. Não até o pulmão', diz o médico da USP. Há vários modelos em desenvolvimento. O mais promissor tem como mecanismo um blíster que explode no inalador, formando uma nuvem de insulina, que será aspirada pelo paciente. 'A versão inalável vem para substituir a insulina de ação rápida, aquela que age em cerca de 30 minutos e dura de duas a quatro horas', conta o endocrinologista Lerário. 'A indicação, na maioria das vezes, é para o diabético do tipo 2.' Tosse foi o principal efeito colateral apresentado até agora durante as pesquisas clínicas. Por enquanto, a insulina inalável não vai ser indicada para fumantes por causa das alterações pulmonares causadas pelo cigarro. Os estudos devem continuar por três anos com asmáticos e com quem tem bronquite.

As insulinas injetáveis também vêm sendo incrementadas. A Lantus foi lançada em 2003, e a Levemir, do laboratório Novo Nordisk, deve chegar no próximo mês. As duas têm duração de 24 horas no organismo, sem picos. Isso é possível graças a cristais especiais que entram na corrente sanguínea

Monitores de glicose também serão incrementados e as crianças sofrerão menos e liberam o hormônio gradualmente.

Pouco a pouco, a vida do diabético vai ficando mais fácil. O primeiro salto importante para diminuir os incomodos da aplicação de insulina surgiu na década de 80, com a caneta de insulina. O administrador Walter Rogério Marchesano, de 57 anos, resistiu à insulina, por exemplo, quando ouviu do médico que deveria usar o hormônio.

Isso foi há cinco anos. 'Só conhecia a clássica injeção. A caneta mudou tudo. Hoje, não tenho o menor problema em fazer aplicações, seja onde for', diz ele. 'Levo no bolso da camisa, ao lado de outras canetas.' Hoje, as canetas, além de mais precisas, podem ser descartáveis. 'Posso ficar um mês fora e levo só uma canetinha na pasta, que dura 30 dias', diz o empresário Adolfo Almeida, de 55 anos. 'Não posso me imaginar fazendo como meu pai, que usou a vida toda seringas.' A próxima geração de diabéticos talvez nem imagine que um dia se usou as tais canetinhas.