Título: Projetos de direitos humanos. E só
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Vida&, p. A26

A Secretaria Especial de Direitos Humanos - recriada com status de ministério no início do governo Lula e por ele mesmo rebaixada para subsecretaria em julho - teve uma atuação até agora inoperante, inarticulada, sem foco e sustentada mais por projetos que não saíram do papel do que por resultados concretos. Essa é a avaliação das principais entidades de direitos humanos do País, a maior parte delas parceiras da própria secretaria na elaboração das políticas públicas para a área. Uma afirmação injusta e equivocada na opinião do atual responsável pela pasta, o subsecretário Mário Mamede (ver texto ao lado).

De acordo com um estudo feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização não-governamental especializada no acompanhamento das políticas públicas sociais, não existe até hoje um processo de implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II), que engloba 57 projetos que incluem temas como assistência a menores em conflito com a lei, defesa dos direitos da criança, integração de políticas para emprego, trabalho e renda e proteção aos portadores de deficiência, entre outros.

Além disso, até o mês passado, 19 desses 57 programas tiveram menos de 10% de execução dos recursos previstos. E apenas quatro já tiveram aplicados mais de 50% da verba programada. No geral, somente 12,9 % dos R$ 77,6 milhões previstos no orçamento da secretaria foram executados. 'Fizemos a análise técnica orçamentária, que mostra uma situação alarmante. Essa falta de articulação mostra que os programas estão sendo mal geridos e não têm execução contínua', explica o autor do estudo e assessor de Políticas de Direitos Humanos do Inesc, Caio Varela. 'O problema com os programas do PNDH refletem a insatisfação da área com essa atuação. Havia uma grande expectativa em relação à secretaria no início. Depois vimos que a área não era, de maneira nenhuma, prioridade no governo.'

DESILUSÃO

As deficiências, de acordo com as organizações, não estão apenas na execução do PNDH. Elas levantam pelo menos outros três programas lançados com grande expectativa pela secretaria e que até agora não foram concretizados como planejado: o Brasil sem Homofobia, o Programa Nacional de Proteção dos Defensores e o Disque 100, voltado para a denúncia de crimes de tortura. A insatisfação engloba ainda a área do trabalho escravo e os resultados da 9ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos. 'Quando foi lançado, o Brasil sem Homofobia teve grande repercussão. O Brasil foi anunciado como o primeiro país da América Latina a criar um projeto como esse, que incluía uma série de ações e de políticas para a defesa dos direitos dos homossexuais. Hoje, nada foi feito. Houve apenas liberação de verba, via Ministério da Cultura, para as paradas gays e discussões para educação sexual nas escolas', explica Ivônio Barros, coordenador do Fórum de Entidades de Direitos Humanos, que reúne as associações que atuam na área.

Já o Programa Nacional de Defensores empacou e ainda não há nenhuma pessoa protegida nos moldes no qual ele foi concebido, afirma Sandra Carvalho, do instituto Justiça Global, parceiro na criação do programa. 'Há mais de um ano estamos tentando mobilizar a secretaria para essas ações, que devem proteger as pessoas que são ameaçadas por denunciar infrações aos direitos humanos.

Existem pessoas precisando dessa proteção e que ainda não podem entrar no programa', diz Sandra.

Com o Disque 100, o processo foi semelhante. O projeto, que chegou a ser inaugurado com a presença do presidente Lula e do secretário Nilmário Miranda, titular na época, foi desativado pouco depois do telefonema simbólico feito no evento de lançamento. 'Era a menina dos olhos da secretaria. Já havia no Brasil um 'disque' conduzido pelo grupo Tortura Nunca Mais e um outro do movimento nacional com apoio financeiro do governo. Eles desativaram os dois para criar um unificado, para todo o País. Ele foi lançado e nunca funcionou', diz Barros.

RISCO DE MENOS DINHEIRO

As falhas se repetem em outras áreas. Apesar de ter dado maior visibilidade ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a secretaria também não conseguiu se firmar nesse setor. 'Os convênios para o programa de proteção às crianças e aos adolescentes não foram feitos. Não foi concluído o plano para medidas socioeducativas. E sabemos que poderá haver redução de mais 50% no orçamento para essa área no próximo ano', afirma o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos. 'A 9ª Conferência Nacional, em julho passado, também deixou a desejar. Todas as entidades foram chamadas e avisadas de que o que fosse decidido teria um caráter deliberativo. Até hoje, nem o relatório com o conteúdo das decisões foi publicado', explica o advogado.

Para essas entidades, a mudança na situação da secretaria concretiza apenas a pouca importância dada ao setor. Uma perda simbólica para uma área que depende muito da capacidade de articulação política com outros ministérios para realizar seus projetos. 'A secretaria precisava ter uma atuação transversal.

Tanto o Nilmário Miranda quanto o Mário Mamede possuem uma trajetória indiscutível na área, foram militantes importantíssimos, mas deixaram a desejar na parte de execução, não conseguiram definir prioridades e fazer articulações', afirma Marlene Libardoni, diretora executiva da Agende e integrante da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Desc Brasil).

Para o coordenador do fórum das entidades, o setor ficou desmoralizado após o rebaixamento. 'Todas as outras secretarias especiais continuaram com o status de ministério, até mesmo a da Pesca. Só a de Direitos Humanos foi rebaixada.'