Título: 3 milhões participam hoje do Enem
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Vida&, p. A28

A consagração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quem diria, veio no governo Lula. Criada em 1998 pelo ex-ministro Paulo Renato Souza, a prova surgiu como uma auto-avaliação não obrigatória para os adolescentes que estavam terminando a escola. Desacreditada e criticada, correu risco de ser extinta pelo PT. Hoje, no entanto, um número recorde de estudantes - quase 3 milhões em todo o País - participa do exame, que começa às 13 horas. E a razão é simples: para conseguir bolsa no ensino superior particular, pelo novo programa Universidade para Todos (ProUni), é preciso ter a nota do Enem.

Neste ano, o primeiro em que funcionou o sistema de bolsas instituído pelo Ministério da Educação (MEC), não foi preciso nem vestibular. Além das duas exigências principais - demonstrar carência e ter cursado o ensino médio em escola pública -, uma média acima de 45 pontos no Enem garantiu lugar na universidade para cerca de 100 mil brasileiros. Sobraram vagas, inclusive. O governo prorrogou várias vezes o período de inscrição para cobrir a quantidade de bolsas oferecidas pelas 1.142 instituições que aderiram ao ProUni. Em troca, ganharam isenção de Imposto de Renda, Contribuição Social de Lucro Líquido, PIS e Cofins. 'Com essa nova perspectiva, o Enem agora se consolidou', disse ao Estado o ministro da Educação, Fernando Haddad. Idealizador do ProUni já na gestão de Tarso Genro, ele comemora a explosão de inscrições para o exame. No MEC de Cristovam Buarque, porém, dirigentes declaravam que o Enem em nada ajudava os jovens pobres a ingressar na universidade pública e precisava ser revisto. O ministro agora acredita que a participação maciça na prova, que segue parâmetros educacionais modernos, sem divisão por disciplinas e com avaliação de competências e habilidades, pode fazer com que as escolas mudem também.

Com essa mesma expectativa, o governo anterior promoveu acordos, a partir de 2000, para que a nota do exame passasse a ser parte dos vestibulares públicos e particulares. A adesão principalmente da Fuvest, em que a nota vale 20% da primeira fase, ajudou no primeiro boom de inscritos. O total cresceu de 157 mil, em 1998, para 1,8 milhão, no último ano de Paulo Renato no MEC. 'A prova do Enem agora é mais importante que a Fuvest para mim', diz Daiane Bezerra Neves, de 18 anos. Estudante de escola pública, ela acredita que suas chances de cursar uma faculdade gratuita estão mais no ProUni que na universidade pública. Já escolheu as instituições particulares em que vai pedir a bolsa para o curso de Ciência Biológicas e passou o ano estudado para a prova de hoje. 'O Enem é mais humano que o vestibular, então li muito jornal para me preparar.

Vou tentar gabaritar ', conta.

COMPETÊNCIAS

Além das 63 questões interdisciplinares medindo competências como domínio de linguagens, compreensão de fenômenos, argumentação e situações-problema, o exame tem também uma redação. No último Enem, o tema era a liberdade de informação e os abusos cometidos pela imprensa. Na época, se discutia no País a polêmica criação de um Conselho Federal de Jornalismo. Para conseguir a bolsa no ProUni, os alunos precisam ter uma média satisfatória que leva em conta a prova objetiva e a redação. A renda familiar per capita exigida é inferior a um salário mínimo e meio.

Mariana Dias Arantes, de 18 anos, conseguiu no começo deste ano desconto de 100% na mensalidade do curso de Hotelaria das Faculdades Senac pelo ProUni. 'Ninguém acredita que eu não pago nada', brinca.

Seus colegas desembolsam R$ 907 por mês pelo curso. Apesar disso, ela reclama de ter de pagar R$ 200 pelo transporte que a leva do campus, na zona sul da capital, para a Penha, zona leste, onde mora.

Ela e outros bolsistas do ProUni ainda aguardam a prometida bolsa de R$ 300, que ajudaria nas despesas com alimentação, material, transporte, entre outras. No primeiro ano do programa, ela não saiu.

Haddad garante que ela será regulamentada logo e que passará a existir em 2006. Mas o benefício será apenas para matriculados em cursos integrais porque não podem trabalhar e estudar.

'REALIZADA'

'Jamais imaginei que o Enem fosse me colocar na faculdade', diz Suelen de Oliveira, de 17 anos, que cursa o primeiro ano de Administração de Empresas na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). Filha de um vendedor e uma dona de casa, ela já havia desistido do ensino superior no ano passado porque não tinha como pagar uma faculdade particular nem acreditava conseguir uma vaga nas públicas. Participou do Enem, em agosto de 2004, apenas por curiosidade. No começo deste ano, ficou sabendo da existência do ProUni e se inscreveu.

Sua alta nota no exame garantiu o lugar. 'Estou realizada, não queria parar de estudar.' Segundo o consultor jurídico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), José Roberto Covac, a profusão de regras e decretos sobre o ProUni durante o ano acabou confundindo as instituições. 'Muitas acabaram aceitando só a nota do Enem para admitir o aluno porque não dava mais tempo de fazer processo seletivo', diz. A lei de janeiro de 2005 que institui o ProUni diz que as instituições podem submeter o candidato a bolsa a uma prova eliminatória. Mesmo assim, Haddad defende o Enem. 'Na minha opinião, o processo seletivo não acrescenta muita coisa.'