Título: O petróleo em cheque
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

A espera do furacão Rita meteu mais medo do que a do Katrina, mas deverá provocar menos estragos. Ainda assim contribuiu para mostrar que os Estados Unidos e o mundo estão mais vulneráveis a novo choque do petróleo do que vãs análises se mostravam dispostas a admitir. Sexta-feira, a Agência Dow Jones informou que nada menos que dois terços da capacidade de refino de petróleo dos Estados Unidos estavam paralisados, seja em conseqüência da devastação provocada pelo Katrina, seja por medidas preventivas à passagem do furacão Rita. Não há no mundo mercado mais acompanhado do que o do petróleo e, no entanto, o desconhecimento dos analistas impressiona. Em abril, a Agência Internacional de Energia projetava o aumento do consumo mundial de petróleo deste ano em 2,2%. Relatório divulgado em agosto revia o número para 4,0%. Não é nada, há aí um erro de 1,6 milhão de barris diários.

Outro dado que demonstra falhas gritantes de diagnóstico é o de que, ao longo do primeiro semestre, a Opep foi duramente criticada por não aumentar mais a oferta mundial. Na semana passada, a Opep acrescentou mais 2 milhões de barris diários aos 33,2 milhões que exporta, número que não cresce significativamente há 30 anos.

A novidade não comoveu ninguém, porque, de repente, os especialistas se deram conta de que o estrangulamento maior está na capacidade de refino, especialmente nos Estados Unidos, e não na capacidade de produção. E, no entanto, há apenas alguns meses, todos os relatórios apontavam excesso de capacidade de refino no mundo inteiro.

As próprias companhias americanas de petróleo preferiram importar os derivados que não pudessem produzir (especialmente gasolina e óleo diesel) a despejar dinheiro em mais instalações que depois não apresentassem retorno satisfatório. De acordo com dados do Departamento de Energia, em 1981, os Estados Unidos tinham 324 refinarias com capacidade de craquear 18,6 milhões de barris diários. Hoje, há apenas 132, com capacidade para 16,8 milhões de barris diários. A última refinaria construída tem 26 anos.

Mas estas são encrencas conjunturais que demonstram a enorme vulnerabilidade do parque produtivo dos Estados Unidos, cujas instalações estão fortemente concentradas no Golfo do México, e não o problema de fundo, que é o fato de que o petróleo já não está mais dando conta da sede mundial por energia.

A economia chinesa está crescendo 9,5% ao ano e vem sofrendo apagões constantes por falta de energia elétrica. No quatriênio 2000-04, foi responsável por nada menos que 40% do aumento da demanda mundial de energia, de acordo com os levantamentos do Cambridge Energy Research Associates. Se o consumo mundial de petróleo crescer 3% ao ano, em pouco mais de 23 anos seria preciso dobrar a atual produção. É altamente improvável que se encontrem superprovíncias de petróleo capazes de dar conta dessa demanda. Isso sugere que os preços não têm muito espaço para resvalar para abaixo dos US$ 60 por barril.

A experiência mostra que preços altos causam três tipos de reação: adoção de medidas de economia de combustíveis; novos investimentos em produção de petróleo; mais esforços em busca de fontes alternativas.

No entanto, dada a precariedade dos elementos para análise, o petróleo continuará como grande fonte de incerteza para aferir o comportamento da economia mundial.