Título: O corredor de exportação que parou
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2005, Economia & Negócios, p. B6

Quando as artérias da Amazônia secam, sobram lamentos. João Roberto Zamboni, diretor-superintendente da Hermasa Navegação da Amazônia, empresa do Grupo André Maggi - empresa que responde pelo maior volume de carga transportada pela Hidrovia do Rio Madeira -, não esconde o transtorno comercial com a atual situação. A hidrovia liga Porto Velho (Rondônia) a Manaus (Amazonas), na Região Norte do País. A seca nos rios da região e especialmente no Madeira, o principal afluente da margem direita do Rio Amazonas, alimenta um ciclo de prejuízos. O Grupo André Maggi, que precisa levar até o último grão de 2 milhões de toneladas de soja, foi obrigado a cancelar o embarque de dois navios no Porto de Itacoatiara, onde a empresa mantém uma esmagadora de soja. São dois navios tipo Panamax (capazes de cruzar o Canal do Panamá) que não serão carregados nos próximos dias por falta de soja. No total, são 140 mil toneladas de soja que deixarão de ser exportadas.

Não há o que fazer. Zamboni afirma que interrompeu por dez dias o transporte de soja pela hidrovia. A medida equivaleu ao bloqueio de uma artéria. Em Porto Velho, onde armazéns graneleiros recebem a soja produzida no Norte e no Noroeste de Mato Grosso e em Rondônia, não há mais onde guardar o grão. "As barcaças viraram armazém", relata Zamboni. A redução do nível do rio somente piorou a situação.

Hidrovia que na época das chuvas alcança lâmina d'água de 16 metros, mantém média de 1,74 metro. No dia 11, chegou a 1,63 metro, o menor dos últimos 40 anos. O canal navegável está tão estreito que em alguns trechos apenas uma balsa passa por vez. Para um rio em plena Planície Amazônica, é situação inédita. A água escura e a fumaça das queimadas diminuem a visibilidade. Tornam a navegação um risco.

Mesmo assim, a Hermasa decidiu tentar fazer a travessia de qualquer jeito. Será uma operação lenta e custosa. Cruzar os 1.000 quilômetros entre Porto Velho e o Porto em Itacoatiara exigirá atenção redobrada dos comandantes. Em alguns pontos do canal de navegação, a profundidade alcança o tórax de um adulto. Para uma hidrovia, isso é um problema. "Vamos transitar com calado (profundidade máxima da embarcação) menor que 1,60 metro. Em condições normais, transitaríamos no canal com mais de 3 metros de calado", diz Zamboni.

Menos profundidade, menos carga, menos eficiência e custo maior. No período da seca, o transporte historicamente cai para o equivalente a 25% do que é carregado na cheia. "Neste ano, operamos a 30% destes 25%. Jamais isso ocorreu", relata.

FALTA MANUTENÇÃO

Contra a falta de chuva ou a baixa contribuição do degelo no trecho boliviano da Cordilheira dos Andes não há o que fazer. Mas a situação crítica da hidrovia não ocorre apenas por obras da natureza. O próprio superintendente da Administração das Hidrovias da Amazônia Ocidental, Elpídio Gomes Filho, afirma sem meias palavras que a burocracia de Estado tem seu quinhão de culpa no encalhe da hidrovia. Ao citar um provérbio popular, arremata: "Há males que vêm para bem. A situação crítica da hidrovia fez o governo, finalmente, montar um comitê para discutir o Rio Madeira. Descobriram a importância do rio", diz Gomes.

Dados da Ahimoc apontam 21 pontos críticos ao longo do canal, basicamente pontos de assoreamento, que podem ser resolvidos com uma dragagem. Obra simples e que se executada poderia reduzir os transtornos ao longo da única ligação do Brasil com Manaus. Não há estradas para Manaus. A única - chamada de BR 319 -, está abandonada. Liga Porto Velho a Manaus, mas hoje é alvo de uma polêmica entre ambientalistas e o Ministério dos Transportes. Sem rodovia, toda a necessidade de Manaus vai pelo Madeira.

Se houvesse uma ligação rodoviária entre as duas cidades, os problemas seriam minimizados. Segundo Fernando Fonseca, gerente-regional da Eletronorte, o abandono da estrada a partir da década de 80 ampliou ainda mais a dependência da hidrovia.

Zamboni, da Hermasa, também fez críticas em relação a manutenção do canal. "Desde o início, toda a operação de navegação foi estruturada e bancada pela Hermasa. Mas com muito pouca atenção e investimento do setor público. Apesar de os órgãos públicos mostrarem interesse no assunto nota-se que praticamente não existem verbas para a manutenção da hidrovia", critica.

A esperança da população amazônica é que a volta do período de chuvas resolva o problema. A expectativa da Hermasa, por exemplo, é que as chuvas voltem até meados de outubro. Será preciso que isso ocorra. O abastecimento de combustível de Porto Velho é feito hoje pela Refinaria de Paulínia (Replan), localizada no interior de São Paulo. Até meados da semana passada, caminhões haviam levado 14 milhões de litros de óleo diesel para a região. O abastecimento pela Refinaria de Manaus está comprometido. É desta forma que são abastecidos hoje as termelétricas que geram energia para Rondônia e Acre.