Título: Precisa-se de gerentes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/09/2005, Notas e Informações, p. A3

Não adianta amaldiçoar o pão-durismo do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por causa do baixo investimento público. O ministro pode ser pão-duro. Seus críticos podem acusá-lo, provavelmente com injustiça, de preferir o resultado fiscal à construção de estradas e centrais elétricas. Que o Brasil tenha hoje um bom superávit primário e esteja além da meta não é segredo. Mas o governo brasileiro investe pouco, hoje, não somente porque economiza muito, mas principalmente porque não sabe planejar, preparar projetos, definir prioridades e cuidar de obras. De modo geral, falta mais competência para administrar políticas do que dinheiro para investir. O PT chegou ao governo com a promessa de implantar políticas de crescimento econômico e de criação de empregos. Pretendia, pelo menos na propaganda, recuperar para o Estado um papel de liderança no desenvolvimento. Na prática, ficou longe disso. O governo conseguiu surpreender com uma política fiscal muito séria e com uma política monetária de grande severidade, mas falhou em quase todo o resto.

Levou mais de um ano para lançar a política industrial e de tecnologia e nem essa está sendo plenamente executada. A política de inovação, por exemplo, ainda é uma promessa.

Na área de infra-estrutura, demorou nas primeiras definições de regras para os investidores. Poderia ter iniciado pelo menos uma série de investimentos próprios, independentes da participação privada. Mas também não foi capaz de fazê-lo. Faltou capacidade para definir os objetivos centrais de um plano, criar uma carteira de projetos e avançar na sua execução.

Dentro do governo essa falha é hoje reconhecida. O novo secretário-executivo do Ministério do Planejamento, João Bernardo Bringel, prometeu numa entrevista ao jornal Valor uma "quebra de paradigma" na gestão de investimentos. Atualmente, explicou o secretário, as etapas anteriores ao empenho de verbas para projetos são cumpridas no ano de execução do orçamento.

A idéia, agora, é cumpri-las no exercício anterior. Hoje, a maior parte dos empenhos - o efetivo comprometimento de verbas - ocorre no segundo semestre. O atraso é geral. Projetos de obras municipais financiadas com recursos da União são entregues aos ministérios no meio do exercício fiscal e isso é apenas parte do festival de incompetência administrativa. Não surpreende o governo federal ter empenhado, até agora, pouco mais de um quarto das verbas orçamentárias para investimento e realizado menos de um décimo das despesas previstas. Fala-se muito no contingenciamento de verbas, isto é, no congelamento temporário de recursos determinado em todo início de ano. Mas esse tipo de reclamação fica longe das questões mais importantes.

O primeiro ponto é a estrutura do orçamento. A maior parte das verbas tem destinação obrigatória e corresponde a despesas com crescimento em grande parte automático. É mais fácil cortar os gastos livres e estes incluem normalmente os investimentos. É preciso, portanto, eliminar ou reduzir as vinculações constitucionais.

Em segundo lugar, nem todo investimento previsto no orçamento brasileiro contribui de fato para o desenvolvimento econômico e social. Boa parte dos gastos associados a emendas de parlamentares é mero desperdício, do ponto de vista das prioridades federais. Esses gastos seriam contados estatisticamente como investimentos, mas estatísticas não bastam para fortalecer a economia.

Em terceiro lugar, falta gerência, no governo federal, para definir prioridades e articular a ação dos ministérios. Um mínimo de coordenação impediria, por exemplo, o corte de verbas para programas de sanidade animal e deslocaria o arrocho para outra área. O custo de um novo surto de aftosa, numa zona exportadora, seria enorme. Não é essa a maneira inteligente de economizar dinheiro. Mas é possível podar outros gastos e ainda elevar o padrão do serviço público.

O governo poderia realizar o mesmo superávit primário e gastar muito mais, e muito melhor, em projetos de investimento. A economia de dinheiro é parte do problema, evidentemente. Principalmente quando se economizam R$ 96 bilhões em 12 meses e se paga R$ 105 bilhões em juros da dívida em 8 meses. Mas o problema maior está no orçamento irracional e na baixa competência para planejar, projetar e executar políticas.