Título: Kirchner não virá para cúpula em Brasília
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/09/2005, Nacional, p. A11

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não contará com a presença do presidente Néstor Kirchner nesta quinta e sexta-feira em Brasília na reunião de cúpula da CASA, sigla da Comunidade Sul-Americana de Nações. Consultados pelo Estado sobre os motivos da ausência do presidente argentino na cúpula, porta-vozes da Casa Rosada, a sede do governo, explicaram que "simplesmente, a presença do presidente Kirchner em Brasília nunca esteve confirmada". Desta forma, a Comunidade Sul-Americana completará um ano sem ter contado jamais com a presença de Kirchner em uma de suas cúpulas. Mais uma vez, Kirchner ficaria em casa e ausentaria-se de uma reunião da CASA, organização que abomina desde sua criação, em novembro do ano passado. Na ocasião, Kirchner faltou à própria cerimônia de inauguração, realizada em Cuzco, no Peru. O presidente argentino alegou na época recomendações médicas. No entanto, dias depois, confessou que as cúpulas o enojavam: "não gosto de ir de coquetel em coquetel por aí".

De nada serviram os apelos frenéticos do Itamaraty para que Kirchner fosse à Brasília nesta semana. A intenção era que o presidente do maior parceiro político e comercial do Brasil - a Argentina - estivesse ao lado do presidente Lula para prestigiá-lo e conceder-lhe um pouco de respaldo político internacional, aliviando parcialmente desta forma os imbroglios nos quais está mergulhado.

No entanto, a situação de Lula - homem que foi útil a Kirchner somente durante a campanha presidencial do argentino, em maio de 2003 (na época Lula tinha alta popularidade entre os argentinos e serviu de garoto-propaganda de Kirchner) - pouco preocupa na Casa Rosada.

Kirchner, que considera que a criação da CASA foi algo "apressado", está mais preocupado em atarefar-se com os comícios diários que realiza dentro da campanha para as decisivas eleições parlamentares do dia 23 de outubro. Para "El Pingüino" (O Pingüim), estas eleições são cruciais, pois definirão o mapa do poder nos próximos dois anos, e determinarão se ele possui - ou não - chances de ambicionar a reeleição em 2007.

Kirchner só teria confirmado sua presença em Brasília se o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, anunciasse na capital brasileira que realizaria grandes investimentos na Argentina. Um dos anúncios esperados era a compra, por parte da estatal petrolífera venezuelana de uma centena de postos de gasolina em território argentino. O outro anúncio era a compra de US$ 500 milhões em títulos públicos argentinos, os Boden 2015.

Esses anúncios seriam proveitosos para Kirchner, que poderia utilizá-los em sua campanha eleitoral. No entanto, nos últimos dias, não surgiram sinais desde Caracas de que tais anúncios iriam ocorrer durante a reunião da CASA. Desta forma, Kirchner perdeu o único interessen que tinha em ir à Brasília.

A ausência na cúpula também permitiria a Kirchner não ter o inconveniente de encontrar-se com o ex-presidente Eduardo Duhalde, atual presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul e um dos principais entusiastas da CASA. Duhalde passou de ser "padrinho" político de Kirchner (e o responsável por ter sido eleito presidente) a "inimigo número 1". Kirchner está tentando suprimir o poder que Duhalde possui na poderosa província de Buenos Aires, onde produz-se um terço do PIB do país e onde residem 40% dos eleitores argentinos. "El Cabezón" (O Cabeção), como é conhecido Duhalde, é um empecilho para a hegemonia política que Kirchner aspira ter.

No entanto, embora também esteja envolvido na dura campanha eleitoral, o chanceler Rafael Bielsa estará presente nos dois dias da cúpula, segundo informou ao Estado o Palácio San Martín, sede da diplomacia local. Bielsa é a cabeça da lista de candidatos a deputado pelo partido Frente pela Vitória, uma sub-legenda do Partido Justicialista (Peronista) na cidade de Buenos Aires.

Os sinais de esvaziamento da reunião de cúpula começaram a pulular ontem no Itamaraty. Os organizadores do evento decidiram comprimir toda a programação dos presidentes na sexta-feira - a rigor, no período da manhã - para evitar novas desistências. Originalmente, a abertura do encontro havia sido programada para as 18 horas de quinta-feira. Agora, passará para as 9h de sexta-feira. O jantar na quinta-feira, no Itamaraty, foi mantido. Mas ainda não se sabe quantos chefes de Estado serão servidos dos quitutes.

Além de Kirchner, os presidentes da Colômbia, Álvaro Uribe, da Guiana, Bharrat Jagdeo, e do Suriname, Ronald Venetiaan, já anunciaram que não virão para a reunião. A única confirmação de presença veio de Alejandro Toledo, do Peru, que atualmente preside a comunidade. Pelo menos Hugo Chávez, da Venezuela, deverá vir celebrar a nova aliança regional.