Título: Bispo faz greve de fome contra transposição
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2005, Nacional, p. A10

D. Luiz Flávio Cappio promete ir até a morte se o governo não abandonar projeto para o Rio São Francisco

O bispo Luiz Flávio Cappio, da Diocese de Barra, no interior da Bahia, iniciou ontem ao meio-dia uma greve de fome para protestar contra o projeto de transposição do Rio São Francisco. Numa declaração registrada em cartório e divulgada pela internet, ele diz que promete manter a greve até a morte se o governo não abandonar o projeto; e ainda pede para ser enterrado junto ao rio, que chama de "irmão e amigo". D. Luiz Flávio também enviou uma carta ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na qual diz que pretende "ajudá-lo a entender pelo coração aquilo que a razão não alcança". Ele conclui de maneira enfática: "Minha vida está em suas mãos." O bispo iniciou a greve no mesmo dia em que a Agência Nacional de Águas (Ana) outorgou ao Ministério da Integração Nacional o direito de uso das águas. Esta era uma das últimas decisões que faltavam para o início da obra que permitirá bombear água do rio para abastecer áreas agrícolas e os reservatórios de grandes cidades da região. O ministro Ciro Gomes aguarda agora a autorização do Ibama. PEREGRINAÇÃO A Diocese de Barra fica às margens do São Francisco. Em 1992, quando ainda era padre, d. Luiz Flávio percorreu de barco toda a extensão do rio, conhecendo os problemas da população ribeirinha e coletando informações sobre a degradação ambiental. Mais tarde escreveria o livro Rio São Francisco - Uma Caminhada Entre Vida e Morte, da Editora Vozes. Em 1994, quando Lula passou pela região, na Caravana da Cidadania, foi apresentado a ele pelo teólogo Leonardo Boff. Entusiasmou-se com as propostas de governo do petista e fez campanha política para ele, "alimentando o sonho de ver o povo no poder" - como lembra na carta enviada ao presidente. D. Luiz Flávio tem 58 anos e faz parte da ordem dos frades franciscanos. Foi nomeado bispo por João Paulo II, em 1997, e designado para a Diocese de Barra. Ontem, segundo seus assessores, ele deixou a residência episcopal e rumou para uma pequena capela na cidade de Cabrobó, próxima ao rio, na margem pernambucana. Promete ficar lá até que o presidente assine e registre em cartório um documento desistindo do projeto. "Esperávamos do senhor um apoio maior em favor da vida do rio e do seu povo", diz a carta a Lula. "Esperávamos que, diante de tantos e consistentes questionamentos de ordem política, ambiental, econômica e jurídica, o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência." A atitude do bispo é mais um indicador do descontentamento das pastorais sociais da Igreja, que sempre ajudaram o PT, com o projeto de bombeamento das águas do rio para outras regiões. "Temos outra concepção de desenvolvimento do Semi-Árido nordestino", diz Roberto Malvezzi, da coordenação nacional da Pastoral da Terra, e estudioso da questão. "O projeto de transposição é o último grande negócio da indústria da seca que todos conhecemos e o primeiro dos hidronegócios que se avizinham." Para Malvezzi, o projeto do governo ignora as necessidades das populações ribeirinhas. "É um projeto imposto de cima para baixo."