Título: Segurança monetária
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2005, Notas e Informações, p. A3

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, pôde cantar vitória no começo da semana, em Washington, ao mostrar como a política monetária domou a inflação brasileira e a levou para bem perto da meta oficial. Não contou nenhuma vantagem que não pudesse contar também no Brasil. Na semana passada, o mercado financeiro previu para este ano uma inflação de 5,21% - mediana das projeções de uma centena de instituições financeiras e consultorias. Para o próximo ano, a mesma pesquisa indicou 4,64%, número muito próximo, também, do alvo fixado em Brasília para o período, 4,5%. Para efeitos práticos, a política de juros altos deu resultado. Só uma teimosia irracional poderia levar o Comitê de Política Monetária (Copom) a insistir no arrocho para levar a inflação à meta ajustada de 5,1%. Os membros do Copom resistiram à tentação, aparentemente. Na reunião deste mês baixaram a taxa básica de juros para 19,5%, com um corte de 0,25 ponto porcentual. Foi ato simbólico, mas bem recebido. É hora de reconhecer que as condições de segurança para um corte mais efetivo estão dadas.

As condições de segurança produzidas pela política monetária são mais efetivas do que parecem à primeira vista. Em geral a discussão se concentra nos juros e nos seus efeitos sobre a inflação. Saiu de moda comentar a expansão monetária. No Brasil, como em muitos outros países, os juros se tornaram os instrumentos principais de estabilização. Quando se escolhe esse caminho, o controle da oferta da moeda passa a ser, em grande medida, uma conseqüência da variação dos juros. É natural que a maior parte dos analistas dê menor atenção aos indicadores monetários.

Mas a evolução da liquidez, isto é, dos meios de pagamento disponíveis no mercado, continua a ser relevante para a segurança da economia. E um fato positivo é que as autoridades fiscais e monetárias conseguiram, neste ano, impor um freio à expansão da moeda.

Quando a alta de juros começou, há um ano, a base monetária acumulava um crescimento de 24,4% em 12 meses. O ritmo de expansão continuou elevado - acima de 20% ao ano - até março de 2005. Durante a maior parte deste ano a variação mensal da base foi negativa. Resultado: em agosto, a expansão acumulada em 12 meses havia caído para 13,2%. A base monetária é formada pela moeda física emitida e pelas reservas bancárias.

O efeito da política também é sensível quando se examina a evolução dos meios de pagamento, que no conceito mais amplo corresponde à soma do dinheiro em poder do público, dos depósitos à vista e de outros ativos de prazo maior.

O excesso de liquidez já era notado em 2002 e atingiu o pico no começo de 2003. Seus piores efeitos ocorreram durante a turbulência financeira que acompanhou a campanha da eleição presidencial. Quando a instabilidade começou, havia muito dinheiro no mercado. Diante da insegurança, os aplicadores fugiram dos ativos de médio e de longo prazos. Puseram o dinheiro preferencialmente em dólares e em papéis facilmente liquidáveis. A insegurança afetou também o perfil da dívida pública, pois o governo teve de aceitar vencimentos mais curtos para poder rolar seus compromissos.

Também sob esse aspecto se pode afirmar que a segurança aumentou nos últimos 12 meses. A expansão monetária foi contida não só pela ação do BC, voltada primordialmente para o combate à inflação, mas também pela política fiscal, que produziu um robusto superávit primário. Além disso, as autoridades conseguiram mudar a composição da dívida pública, tornando-a menos vulnerável a uma depreciação cambial. A perigosa dolarização da dívida pública interna havia sido uma das conseqüências da crise de 2002. Na época, não havia muita escolha, porque o poder estava do lado dos especuladores. O quadro se inverteu e o governo acaba de lançar no exterior títulos expressos em reais.

Pode-se dizer que sob todos os aspectos o BC tem condições, agora, de afrouxar mais sensivelmente a política monetária. A inflação está praticamente controlada e não há por que temer algum recrudescimento nos próximos meses. A liquidez também está controlada e as possibilidades de turbulência financeira são limitadas. Por que não aproveitar a oportunidade?