Título: 'Nunca acreditei que o mensalão existisse'
Autor: Vera Rosa e Cida Fontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2005, Nacional, p. A6

O novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), tem uma convicção: para ele, o governo não patrocinou nenhum esquema de pagamento de propina a deputados em troca de apoio. 'Nunca acreditei que o mensalão existisse', disse. Exministro da Coordenação Política e ex-líder do governo na Câmara, Aldo afirmou que a única referência ao mensalão ouvida por ele foi feita pelo então deputado Roberto Jefferson, em março deste ano, durante reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.

Em entrevista ao Estado, um dia depois de sua eleição, o presidente da Câmara garantiu que não se sentirá constrangido se tiver de comandar, no plenário, a sessão de julgamento do deputado José Dirceu (PTSP), acusado de ser o chefe do mensalão. Aldo é testemunha de defesa de Dirceu. 'O julgamento do deputado José Dirceu não é diferente do de qualquer outro deputado', argumentou.

Mais uma vez, ele negou o uso da máquina em sua eleição e disse que 'liberações de verba acontecem todo dia, em todos os governos'.

O sr. não se sente constrangido por ter sido eleito numa operação de guerra montada pelo Planalto com liberação de verbas e promessa de cargos?

O resultado demonstrou que a eleição foi muito equilibrada. Não há como justificar rolo compressor numa eleição que teve menos de 20 votos de diferença.

Os deputados votaram com a sua consciência e de forma equilibrada, tanto no primeiro como no segundo turno. Se os governos atuaram com seus quadros políticos - uns até tirando deputados das secretarias para reassumir mandatos e votar em seus candidatos -, não creio que isso tenha tido interferência no resultado da votação.

Mas por que houve essa barganha com promessas de mundos e fundos aos aliados?

Eu não sei quais foram as promessas. Só li pela imprensa. Liberações de verba acontecem todo dia, em todos os governos.

O governo tem que liberar verbas para os ministérios e recursos do Orçamento, aprovados pela Câmara. Não creio que isso tenha sido razão para motivar voto de parlamentares.

O placar da eleição, com apenas 15 votos de diferença entre o sr. e o deputado José Thomaz Nonô, indica queogovernotemumasituaçãodifícil pela frente. Como é possível reconquistaramaioriagovernistaerecompor a base aliada?

Eu não sou presidente nem do governo nem da maioria governista. Sou presidente d a Câmara e não posso considerar como fator preponderante a situação do governo. Acho que a melhor forma de a Câmara ajudar o Brasil é agir como poder independente, prestando contas à sociedade e procurando trabalhar em harmonia com o Executivo e o Judiciário.

Osr.vaivirarascostasparaogoverno que ajudou a elegê-lo?

O presidente da Câmara não deve virar as costas nem para o governo nem para a oposição: tem que tratar todos com isenção, equilíbrio e espírito de justiça. Não me preocupo com rótulos. Eu sempre fui uma pessoa de diálogo, negociação, conciliação e de firmeza também, quando necessário. E não pretendo mudar, porque acho que esse é o caminho político para o Brasil superar os seus impasses e vencer os seus desafios.

Com a crise, a oposição cresceu e o sr. vai assumir uma Câmara muito dividida...

Eu não julgo que seja decisivo para o meu trabalho medir o tamanho da oposição ou do governo. Como presidente da Câmara, tenho que assegurar o espaço democrático para que as posições do governo e dos partidos de oposição possam transitar com liberdade na Casa. Como o sr. vai tratar o baixo clero e parlamentares de partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como PTB, PL e PP, que, como se viu na sua eleição, exigem cargos e verbas para votar com o governo? Qualquer presidente tem de buscar o funcionamento da Casa ouvindo os partidos e os parlamentares, sem fazer discriminação entre eles nem qualquer gesto que demonstre preconceito. Eu nunca usei a expressão baixo ou alto clero e vou continuar agindo dessa forma.

O sr. vai encaminhar em bloco o pedido de cassação dos 18 deputados envolvidos no mensalão?

Preciso ouvir o que pensa o corregedor da Câmara, Ciro Nogueira, o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar, e a decisão que eu adotar precisará ter consonância com a deles e a do colegiado, que é a Mesa Diretora.

O sr. acha que o mensalão existiu ?

Nunca acreditei que o mensa´O julgamento de José Dirceu não é diferente do de qualquer outro deputado´

lão existisse porque fui líder do governo durante um ano, fui ministro da Coordenação Política durante outro período igual e nunca ouvi de nenhum jornalista e de nenhum deputado - a não ser do então deputado Roberto Jefferson, numa reunião no Palácio do Planalto - algo referente à existência de pagamentos a deputados.

Osr.nãovêproblemasnofatodeser testemunha de defesa do deputado José Dirceu e poder vir a presidir a sessão de cassação dele no plenário da Câmara?

O julgamento dos deputados, em primeiro lugar, é no Conselho de Ética. Depois, no plenário da Câmara, e aí está submetido ao juízo e à consciência de 513 deputados. Creio que qualquer integrante da Casa tem autoridade e condições para julgar com isenção, rigor, equilíbrio e justiça aquele que estiver sendo acusado. E a Mesa Diretora pode presidir qualquer uma das sessões do julgamento dos deputados.

Masosr.nãosesenteimpedidonesse caso?

O julgamento do deputado José Dirceu não é diferente do julgamento de qualquer outro deputado. Não se pode levantar suspeição de um deputado da situação para julgar outro da oposição e vice-versa.

Osr.assumeapresidênciadaCâmara depois da curta era Severino Cavalcanti, marcada por denúncias de corrupção.Comorecuperaracredibilidade em meio a essa turbulência?

O primeiro desafio é retomar a agenda da Câmara, para que ela vote matérias importantes para a sociedade e para o País. A recuperação da credibilidade não é um ato de mágica: é um esforço de persistência para produzir resultados que a sociedade espera do Legislativo.

A oposição criticou muito o seu projeto instituindo o Dia do Saci. Em quêosr.seinspirouparaapresentar essa proposta? Já viu algum saci no Salão Verde da Câmara?

As pessoas, no Brasil, têm direito de cultivar as figuras criadas pela literatura de Monteiro Lobato, como o saci. Outras preferem cultuar o Dia do Halloween, por exemplo. E, numa sociedade democrática, cada um tem as suas preferências culturais: umas nascidas no Brasil, outras, importadas.