Título: Saia-justa no começo, amabilidades no fim
Autor: Bárbara Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2005, Metrópole, p. C1

"Quem deixou este cara entrar aqui?" O assessor de Imprensa da Prefeitura se irritou ao ver o padre Júlio Lancellotti chegar ao auditório do 6º andar da Prefeitura. Logo depois, o secretário de Serviços, Andrea Matarazzo, divulgou ali o projeto do novo sistema de reciclagem do lixo. O que era para ser entrevista coletiva quase virou plenária, com críticas de catadores ao projeto. Mas a saia-justa até que terminou bem, com abraços e amabilidades. O coordenador da Pastoral do Povo da Rua e o secretário-subprefeito da Sé têm trocado farpas por conta da suposta "política higienista" da Prefeitura. Lancellotti criticou a rampa construída para tirar sem-teto do Buraco da Paulista. Matarazzo retrucou que o padre quer "ideologizar o debate" e "perpetuar a pobreza".

Voltando à coletiva/plenária. Contrariando temores do assessor, padre Júlio não se manifestou. Mas catadores - parte deles convidados para o evento, outros admitidos meio a contragosto - tomaram a palavra. "Isto aqui é um jogo de cartas marcadas", reclamou Sebastião Nicomedes, o Tião, de 37 anos, ex-carroceiro - "agora mexo mais com pintura". Embora o secretário negue, Tião, ligado ao Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, e muitos outros acham que a administração quer tirar do mercado os catadores desvinculados de cooperativas. Ele disse que a Prefeitura tem apreendido carroças nas ruas.

- Mas quem fez isso?, quis saber o secretário.

- A SubSé. Chefiada pelo doutor Andrea Matarazzo.

- Onde?

- Na Mooca.

- Ah, lá não é da SubSé. Mas, se voltar a acontecer, me ligue.

Depois da coletiva/plenária, Lancellotti e Matarazzo se encontraram. "Padre Júlio, o senhor bate em mim todo dia", brincou Matarazzo, engatando um discurso de que a pastoral e a Prefeitura precisam se unir:

- Cobramos da Marta, como estamos cobrando do senhor, respondeu o padre.

- O senhor está politizando. Pergunta para o d. Cláudio (Hummes, cardeal-arcebispo), a quem adoro.

- É uma política pública, não partidária. Porque eu não sou filiado a nenhum partido. Nós temos que privilegiar o lixo que é do catador, é do morador de rua, senão vão aparecer outros que querem fazer o trabalho.

Ressentido com a pecha de "higienista", o secretário disse que o padre tem influenciado a imprensa. "Quando o senhor achar alguma coisa errada, fala comigo. Porque a gente faz uma reunião, acha que está tudo ok e aí lê no jornal tudo diferente."

Chamado por uma assessora para um compromisso, o secretário mandou que ela esperasse. "Estou falando com o padre Júlio, é mais importante."

Afagos à parte, os dois lados mantêm o pé atrás. O padre elogiou o projeto anunciado ontem. Mas quer que a Prefeitura use o chamariz da coleta para aproximar sem-teto da rede de assistência social. Também duvidou do canal de negociação - "Vamos conversar. Dá um abraço no d. Cláudio?"- aberto por Matarazzo. "Já liguei para cá várias vezes, mas nunca consegui falar com ele."

Depois que o padre saiu, provocado pela reportagem, o secretário disse que há, sim, politização do debate. "Para muita gente não interessa o PSDB entrar nesta área", disse, referindo-se aos catadores.