Título: Dois meses após fritura, ele vira esperança de Lula
Autor: Luciana Nunes Leal e João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2005, Nacional, p. A8

'Prezado amigo. Muito obrigado pelo seu voto'. Foi assim, em meio à algazarra governista, que o alagoano José Aldo Rebelo Figueiredo (PC do B-SP) comemorou ontem no plenário de carpete verde a vitória para a presidência da Câmara. A cada um que o cumprimentava, ele agradecia: 'Estamos juntos'. Chegou a ficar com lágrimas nos olhos, mas foi contido. Dono de um estilo discreto e temperamento afável, Aldo chega ao comando da Câmara exatamente dois meses depois de deixar o Ministério da Coordenação Política sob bombardeio do PT. Agora, o governo aposta nele todas as fichas para virar a página da crise.

Aos 49 anos e em seu quarto mandato como deputado federal, Aldo encarnou uma ironia política: depois de ser achincalhado pelos petistas, que o queriam fora do governo, virou a aposta do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Motivo: abalado pela crise do mensalão, o PT não conseguiu produzir um concorrente viável. Foi obrigado a abrir mão da candidatura do líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), por absoluta falta de apoio.

QUEDA-DE-BRAÇO

Durante boa parte dos 18 meses em que foi ministro do governo Lula, Aldo manteve uma queda-de-braço com o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Os dois divergiam quanto as rumos da articulação política e da economia. Aldo defendia o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Dirceu atacava. O tiroteio era tão intenso que os poucos metros que separavam os dois gabinetes, no quarto andar do Palácio do Planalto, ficaram conhecidos como Faixa de Gaza. Na agonia pós-crise, porém, Dirceu se aproximou de Aldo. Por outra ironia da vida política, o comunista Aldo vai presidir a Câmara justamente no momento em que o petista Dirceu enfrenta processo de cassação do mandato. 'Terei coragem para enfrentar os processos que atingem deputados, para condenar quem tiver culpa, mas também (...) para defender quem não tiver culpa', afirmou ontem o deputado, no primeiro discurso antes da eleição, no qual citou Gilberto Freire e Frei Caneca.

Autor da proposta de criação de um movimento em defesa da língua portuguesa, Aldo tomou gosto pela leitura ainda menino. Nascido em Viçosa, interior de Alagoas, e de família muito humilde, ganhou seu primeiro livro de Teotônio Vilela porque seu pai, José Figueiredo Lima, era vaqueiro na fazenda Maria Lia, pertencente ao senador.

Órfão aos 9 anos, com sete irmãos, ele foi alfabetizado numa escola rural. Hoje, para onde quer que vá, Aldo sempre carrega um livro debaixo do braço. Gosta de vários estilos e devora a literatura brasileira.

O novo presidente da Câmara entrou na política no fim dos anos 70 por meio da militância clandestina no PC do B. Ingressou no partido quando ainda era estudante de Direito da Universidade Federal de Alagoas, onde estudou com Renan Calheiros (PMDB-AL) - hoje presidente do Senado. De 1979 a 1981 integrou a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE), primeiro como secretário-geral e depois como seu presidente. Logo depois, radicou-se em São Paulo, onde organizou a União da Juventude Socialista.

Foi candidato a deputado federal em 1982 pelo PMDB porque o PC do B ainda era clandestino. Antes de se eleger para o primeiro mandato, na década de 90, foi vereador em São Paulo, de 1989 a 1991.

Era o grande adversário do prefeito paulistano Jânio Quadros. Homem de confiança do presidente Lula, Aldo foi o primeiro líder do governo na Câmara, de 2003 ao início de 2004. É tido como companheiro fiel e faz política ao estilo mineiro: trabalha em silêncio.

Incapaz de levantar a voz, mesmo em momentos de adversidade, costuma engolir sapos e é um exímio contador de 'causos'. Um comunista cristão perfeito, definem seus amigos. Palmeirense roxo, Aldo sabe conviver bem com as divergências. Respeita e consegue ser amigo até mesmo dos que seguem direções opostas. O líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio (AM), por exemplo, é um de seus melhores colegas no Congresso.

SACI

O último projeto de lei apresentado por Aldo Rebelo propõe a criação do ''Dia do Saci' em 31 de outubro. A proposta, de 2003, obriga a substituição das comemorações do Halloween americano, que viraram praxe no País, pelo personagem do folclore brasileiro.

Nacionalista e um tanto anglofóbico, Aldo argumenta na justificativa do projeto que o Saci é 'reconhecido como força da resistência à cultura dos X-Men, pokémons e raloins (sic) e os jogos de guerra'.

Prossegue o texto: 'A escolha do dia 31 de outubro, que tem sido imposto comercial e progressivamente aos brasileiros como o Dia das Bruxas ou o Dia do Halloween, não dizendo absolutamente nada sobre o nosso imaginário popular cultural, como o Dia do Saci, é assim estratégica, proposital, simbólica.'

Esse não é o único projeto de Aldo que tenta barrar influências estrangeiras no País. Sua proposta de maior visibilidade é de 1999. Pretendia limitar o uso de outras línguas no País e centrava-se especialmente no uso de palavras em inglês.

Expressões como holding, coffee break e recall, além do aportuguesamento de palavras como printar, startar e atachar deveriam ser banidas do dia-a-dia do Brasil. O projeto está pronto para entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça.

O deputado que conseguiu levar o PC do B para o principal cargo da Câmara tentou uma aproximação com um dos últimos países comunistas do mundo. Propôs a criação do grupo parlamentar Brasil-Vietnã. Não se tem notícias de resultados do trabalho desse grupo. Conservador, em 1999 também apresentou um projeto que proíbe a adoção, por repartições públicas, de inovações tecnológicas que possam substituir mão-de-obra.

Aldo também tem grande atração por requerimento de informações. Desde 1996, quando assumiu seu primeiro mandato, já fez 81 pedidos. Da transferência de jogadores de futebol menores de idade para o exterior a dados da dívida externa brasileira, ele já quis saber sobre tudo.