Título: 'O povo não pode pagar o preço da insensatez entre governo e MST'
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2005, Nacional, p. A17

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a cúpula do Movimento dos Sem-Terra pelas ocupações das sedes do Incra nos Estados e disse que José Rainha, liderança do MST ofuscada nos últimos anos por outros nomes do movimento, não é "amigo de primeira hora". Ao voltar ao extremo sul da Bahia para assentar 540 famílias do acampamento Lulão, ele afirmou em discurso de improviso que não tem "medo" de enfrentar as divergências com os sem-terra e que o povo não pode pagar pela insensatez das divergências entre o movimento e o governo. "Pensei em não vir aqui. Depois, achei que seria uma insensatez pois o povo não pode pagar o preço da insensatez e das divergências entre a direção do MST e o governo", comentou. E prosseguiu: "Fico chateado porque a gente pode fazer acordos sem barulho", disse. "O jogo é um pouco mais complicado."

Em janeiro deste ano, ele prometeu voltar ao Lulão para dar "cidadania" e assentar todos os acampados em uma área da empresa de celulose Veracel. No discurso de ontem, Lula relatou que chegou a pensar em não visitar o assentamento em represália à cúpula do MST, que ameaçou incentivar protestos durante a volta do presidente à região. "No mundo globalizado, não tem espaço para a covardia e o medo, nem para aquelas pessoas que não aprenderam a andar de cabeça erguida", disse.

O presidente posou para fotos com um facão e boné do movimento. "Terá reunião amanhã (hoje) em Brasília para discutir o orçamento e não vai faltar 1 real aos assentamentos neste ano."

Logo que chegou ao assentamento, deu um abraço forte em Rainha. Ressaltou o companheirismo do sem-terra. "Quero dizer ao Zé Rainha que já vi gente com medo de ficar ao lado dele, porque de vez em quando ele é preso. Sei que quando deixar de ser presidente, muitos que se dizem meus companheiros não serão mais, mas você será."

Lula rebateu as críticas da imprensa à precariedade do assentamento. Diante das famílias que vivem em barracas de lona e palha, ironizou: "Alguém vai dizer: o presidente foi a um assentamento que não tem TV a cabo, celular e casas com varanda e rede. Nem podia ser, o importante é medir a qualidade desse assentamento."

Em janeiro, Lula havia prometido dar "cidadania" às famílias. Até a noite de ontem, os assentados não tinham água potável, energia elétrica, escola e nem cestas básicas do programa Fome Zero. Lula admitiu que falta tudo no assentamento, prometendo a terceira visita para inaugurar casas com luz.

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, tentou demonstrar que o Incra não comprou terras com preços inflacionados, conforme divulgou o Estado. Argumentou que o preço de custo por família assentada no local - R$ 27.688 - está abaixo da média nacional.