Título: Vertigem cambial
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

O dólar continua em queda livre no câmbio interno. Ontem, caiu mais 1,1%, o que perfaz a baixa de 5,2% em setembro e de 15,8% ao longo deste ano. Os empresários sentem a barriga revolvida pela vertigem, como as crianças na montanha-russa, e pedem intervenção. Entendem que a valorização do real prejudica o exportador, que recebe menos reais por dólar faturado lá fora; e prejudica o produtor interno, porque a mercadoria importada chega mais barata em reais.

O Banco Central não revogou sua decisão, tomada em dezembro e suspensa em março, de comprar dólares destinados a recompor reservas. Na prática, prefere ficar de fora, apreciando a demolição. Em resposta às queixas, o ministro Palocci recita um mantra: "O diabo é que o câmbio flutuante flutua." E o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diz que o compromisso das autoridades é cumprir meta de inflação e não meta cambial.

Depois de comprar US$ 12 bilhões em quatro meses, o Banco Central preferiu usar o câmbio como âncora e o dólar barato tem ajudado, mais do que os juros, a controlar a inflação.

Aflitos, exportadores e consultores desfilam recomendações destinadas a blindar seus interesses contra a valorização do real: compra de dólares pelo Banco Central ou pelo Tesouro; redução drástica dos juros; e restrição à entrada de capitais.

Se fossem postas em prática, essas sugestões teriam eficácia limitada ou produziriam efeitos colaterais. A compra de dólares tem custo fiscal: exige contrapartida em recursos ou eleva a dívida pública.

A redução dos juros é bem-vinda e é recomendação correta como execução de política monetária, mas de duvidoso retorno na área cambial. Parte do pressuposto de que o câmbio só está derretendo porque bancos e empresas estão fazendo operações de arbitragem de juros. Ou seja, porque levantam empréstimos externos mais baratos ou para evitar a tomada de empréstimos mais caros no mercado financeiro interno. Enfim, seria essa entrada de dólares que estaria contribuindo para a derrubada das cotações do câmbio.

Não dá para negar que os empréstimos estão chegando do exterior em maior volume e melhor preço. Nesse sentido, contribuem, sim, para a valorização do real. Mas é improvável que, ao longo deste ano, a entrada líquida de capitais de empréstimo seja superior a R$ 20 bilhões. No entanto, só de superávit comercial (exportações menos importações) teremos este ano algo em torno dos US$ 43 bilhões. É possível, até, que a imediata redução dos juros aumentasse, e não reduzisse, a entrada de capitais, porque deveria contribuir para melhorar a percepção externa sobre as condições da economia brasileira.

E, definitivamente, se não é a farta entrada de capitais que está provocando a valorização do real, também não faria sentido restringi-la, especialmente quando se trata de investimentos de que o País tanto necessita. Além de derrubar os juros, o que poderia ter baixa eficácia imediata, o governo poderia ainda incentivar importações, especialmente de bens de capital.

O que talvez os empresários não estejam percebendo é que o desenvolvimento rápido da China e de alguns tigres asiáticos está aumentando fortemente a demanda de matérias-primas e bens intermediários. Isso tende a provocar a valorização do real e a criar problemas para a indústria. Mas aí voltamos a falar da doença holandesa, objeto de comentário da coluna no dia 22.