Título: Na OMC, o Brasil 'ganha, mas não leva'
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2005, Economia & Negócios, p. B3

Vitórias contra subsídios americanos e europeus não conduzem, na prática, à aplicação de retaliações

BRASÍLIA - As vitórias definitivas do Brasil contra os Estados Unidos e a União Européia na Organização Mundial do Comércio (OMC), nas disputas sobre os subsídios americanos ao algodão e a política açucareira européia, acenderam um holofote sobre a principal fragilidade do sistema de solução de controvérsias: nem sempre quem ganha leva o troféu. Nas próximas semanas, o governo brasileiro deverá viver o dilema de economias pequenas e médias que se arriscam a brigar com os pesos-pesados do comércio internacional. Em geral, acabam com um direito de retaliação nas mãos - que jamais ousarão aplicar pelo temor de sofrer revide - observando a preservação das mesmas práticas condenadas pela OMC.

O Brasil viveu situação como essa no caso Embraer-Bombardier. Mas naquele episódio, também o Canadá contava com o direito de aplicar sanções contra o País. As políticas de financiamento de ambos os governos às suas companhias aeronáuticas haviam sido condenadas. Nenhum deles cumpriu à risca a determinação da OMC. Os direitos de retaliação acabaram na gaveta.

Agora, o Brasil se vê em situação semelhante à enfrentada pelo Equador. O vizinho sul-americano obteve o direito de retaliar em US$ 201,6 milhões a União Européia, que resistira em corrigir seu regime de importação de bananas, condenado pela OMC. Mas guardou a autorização no bolso, ao concluir que sairia mais prejudicado se aplicasse a sanção.

Na recente disputa com os EUA, o Brasil obteve a condenação da OMC aos mecanismos de subsídio à produção e à exportação de algodão do governo americano. Foram concedidos seis meses para Washington alterar esses programas. O prazo venceu dia 21, quando tudo continuava igual. O governo brasileiro informou, então, que pediria à OMC a autorização para retaliar bens, serviços, patentes e direitos autorais americanos.

"NÃO PODE FLEXIBILIZAR"

"O Brasil não deve se furtar a examinar essa possibilidade, de acordo com os seus interesses. Se não o fizer, perderá credibilidade", afirmou o coordenador geral do Núcleo de Contenciosos do Itamaraty, Roberto Azevêdo. "O Brasil não pode ser complacente e deve exercer o direito de retaliação. Não pode flexibilizar. A retaliação ajudará o governo dos Estados Unidos a convencer os setores que resistem à mudança da política de subsídios", afirmou o economista Marcos Jank, do Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações Internacionais (Icone).

Jank disse que o caso do algodão não é isolado e envolve um bom número de economias que vivem quase exclusivamente da exportação do produto. Todos vêm sendo prejudicados pelos subsídios americanos, que estimulam os produtores locais a investir nessas plantações, cobrem seus custos mais elevados de plantio e achatam a renda ao colocar no mercado internacional o produto a preços subsidiados. A condenação repercutiu favoravelmente na OMC, e os Estados Unidos não poderiam "varrê-la para debaixo do tapete" ou empurrar para a frente a eliminação dessas subvenções.

Como lembra Azevêdo, o caso do algodão tornou-se mais sensível porque a condenação da OMC estendeu-se também aos mesmos subsídios concedidos a outros bens, como o milho, a soja, o trigo. Ou seja, ao mudar sua legislação sobre os subsídios, o governo americano não atingiria apenas os seus eleitores algodoeiros. Ambos concordam que o caso terá influência nas negociações do capítulo agrícola da atual Rodada Doha de liberalização do comércio mundial e tenderá a evitar um novo inchaço dos subsídios no orçamento americano para o setor. Ou seja, se os EUA se vêem obrigados a tratar da questão, o Brasil se vê igualmente pressionado a adotar as sanções - mesmo consciente de que a medida reduzirá o comércio bilateral.