Título: Bispo entra no 8.º dia de greve de fome
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2005, Nacional, p. A7

Apesar de debilitado, ele garante que só vai parar quando o governo suspender o projeto de transposição do São Francisco

CABROBÓ - O bispo d. Luiz Flávio Cappio entra hoje no oitavo dia de greve de fome debilitado e com dificuldades para dormir e articular o pensamento, mas sereno e tranqüilo quanto à decisão de só parar a greve de fome com a suspensão do projeto de transposição do Rio São Francisco. Em oração constante, ele só se alimenta da água do São Francisco, que fica a 300 metros da capela onde está instalado. Bispo de Barra (BA) ele está em Cabrobó, no sertão pernambucano, por ser um local escolhido para captação de água para a transposição do rio. "Não quero morrer, há muitos projetos a serem realizados, mas é preciso primeiro vencer a luta." A luta, no caso, é fazer o governo "desistir desta obra insana e mentirosa que é a transposição".

Em carta aos nordestinos que serão supostamente beneficiados, d. Luiz Flávio diz que eles desconhecem a verdade sobre o projeto. "Não vai levar água a quem mais precisa. Mais de 70% dela é para irrigação, produção de camarão e indústria; não estivesse o rio à beira da morte, e suas águas fossem a melhor solução para a sede de vocês, eu não me oporia."

O bispo tem apoio de ribeirinhos e ONGs e a cada dia chega uma romaria à capela. Hoje será feita vigília no local - e possivelmente no Ibama em Salvador e Brasília - para pressionar pela suspensão do projeto. Amanhã, quando se comemora o aniversário de morte de São Francisco, dia também dedicado ao rio, e aniversário de d. Luiz Flávio, a expectativa é de manifestações em defesa da sua luta.

O bispo só deixa a capela de manhã, para se banhar no rio. Seus familiares - os irmãos Rosa Maria e João o acompanham - estão cientes de que d. Luiz Flávio só pretende sair da capela "em procissão festejando a vitória do povo ou em um caixão", segundo João Cappio. A família foi avisada há seis meses e prometeu respeitar sua decisão.

Conhecido defensor do rio e das populações ribeirinhas, o bispo nasceu em Guaratinguetá (SP), mas largou o trabalho na Ordem Franciscana e a família aos 26 anos - hoje tem 58 - para ir para a Bahia, atendendo a um "chamado interno superior". no sábado, um emissário do presidente Lula procurou o bispo, afirmando estar disposto a dialogar com ele, visando ao fim da greve d e fome.

De acordo com o porta-voz do bispo, Adriano dos Santos Martins, cientista social que trabalha há 15 anos como voluntário na diocese de Barra, a atitude de d. Luiz Flávio não pode ser comparada a barganha ou a negociações sindicais. "Ele só dará um fim à greve de fome com a revogação do projeto de transposição", garantiu.