Título: 'Temas quentes podem emergir'
Autor: Gina Marques
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2005, Vida&, p. A12

Para o vaticanista Marco Politi, 1.º sínodo de Bento XVI pode ter surpresas sobre comunhão de divorciados e missas-espetáculo

ROMA - Para o vaticanista Marco Politi, o primeiro sínodo de Bento XVI pode reservar surpresas. Com suas análises objetivas e graças aos seus contatos dentro do Vaticano, Politi foi um dos primeiros a prever que Joseph Ratzinger seria papa antes da sua eleição. Ele é autor de diversos livros, entre estes o best seller que escreveu com o jornalista americano Carl Bernstein Sua Santidade - João Paulo II e a História Secreta do Nosso Tempo. Ele é o especialista em assuntos da Igreja Católica do jornal italiano La Repubblica. Nesta entrevista exclusiva ao Estado, realizada em Roma , Marco Politi aborda os principais temas desta importante reunião mundial dos bispos no Vaticano. O sínodo que se abriu neste domingo foi anunciado por João Paulo II em março de 2004, mas se transformou no primeiro sínodo do papa Bento XVI. Qual é a importância deste evento para o atual pontificado?

A importância deste sínodo está nas surpresas que pode reservar. Pela primeira vez diariamente está marcado um espaço livre de 60 minutos para os debates, no qual os bispos podem tratar os assuntos que eles acham oportunos. Portanto, alguns temas quentes podem emergir deste sínodo.

A qual tema quente o sr. se refere?

Esta ainda é uma questão aberta. A principal coisa é que o sínodo havia sido transformado em um instrumento muito burocrático, que não produzia resultados na prática. O papa quer que o sínodo seja um verdadeiro instrumento de consulta e colaboração entre os bispos. Já sabemos que um dos temas se refere aos divorciados, que na Igreja Católica não podem receber a comunhão. Muitos pediram para que este assunto fosse abordado.

Podemos esperar alguma mudança sobre a comunhão dos divorciados?

O tema da comunhão dos divorciados está sendo estudado também dentro da Congregação pela Doutrina da Fé. Segundo vozes insistentes, estariam amadurecendo novidades, no sentido de reconhecer que no divórcio um dos cônjuges pode ser inocente. Por exemplo, aquele que não queria divorciar, mas foi obrigado a fazê-lo. Neste caso, proibir a comunhão deste cônjuge seria uma dupla injustiça. Esta novidade talvez não esteja madura agora, é preciso tempo.

Outro tema que será tratado se refere às celebrações eucarísticas, ao respeito à liturgia, ao modo de se vestir, aos ornamentos usados e à música. O documento preparatório chama atenção para "a semelhança entre certos cantos usados na Igreja com aqueles profanos". O que significa essa advertência?

Durante todo o pontificado de Wojtyla, com todas as missas que ele fez em diversos continentes, a dança, a música e os vários instrumentos eram usados até nas cerimônias com o papa. No sínodo da África, por exemplo, quando os africanos dançaram e tocaram tambores dentro da Basílica de São Pedro, a Igreja se mostrou muito aberta à utilização da cultura étnica durante as missas. O segundo aspecto é mais ocidental, com missa-rock, na qual predomina a musicalidade profana. Neste caso, o papa Ratzinger tende a ser mais severo e querer só aquelas músicas, inclusive as modernas, que favorecem recolhimento e silêncio.

O senhor acredita que poderiam ser abolidos das missas os ritmos como rap, rock e outros usados na América Latina? O senhor conhece o brasileiro padre Marcelo e o sucesso da música dele no Brasil?

Não conheço o padre Marcelo. No entanto, neste sínodo pode se esperar um pedido a cada bispo para controlar que a missa não se transforme num show, mas permaneça uma missa.

Outra questão que será abordada no sínodo se refere à crise de vocações religiosas, com a diminuição do número de padres no mundo. Se o pontificado de Bento XVI for rígido, como muitos prevêem, esta crise vocacional poderia se agravar?

Temos de entender como se desenvolverá este pontificado porque até agora as normas foram todas emanadas por Wojtyla, contando com a colaboração de Ratzinger. Temos de recordar o que o cardeal Ratzinger disse na Sexta-feira Santa durante a via-crúcis no Coliseu. Ele disse que havia muita imundície dentro da Igreja. Certamente ele quer maior rigor moral nos seminários e na vida dos sacerdotes e bispos. Neste sínodo, um dos problemas que será tratado é que não há padres suficientes para celebrar a eucaristia em todos os lugares onde estão as comunidades católicas. Que função se pode dar aos laicos para conduzir as reuniões de domingo? Ratzinger foi rígido no passado. Ele fez também documentos contrários a que um laico ou uma laica guiassem os rituais de domingo. Certamente este problema vai ressurgir.

A propósito do Concílio Vaticano II, que nos anos 60 reformou muitas regras da Igreja, um dos principais temas se referia à colegialidade, na qual os bispos reivindicavam mais participação nas decisões do governo central da Igreja. Nos 26 anos do pontificado de João Paulo II, muitos diziam que este tema não foi tocado. O sr. acredita que eles vão tratar da colegialidade durante o sínodo ?

O papa Ratzinger está convencido de que se deve fazer alguma coisa sobre o tema da colegialidade. Já antes que ele fosse eleito papa disse que se poderia andar em direção a uma descentralização, porque "a Igreja não pode ser uma monarquia absoluta" e estas são palavras suas. Portanto, acredito que possa haver uma descentralização deixando que certas coisas sejam decididas pelo que Ratzinger chamava de "fóruns regionais", ou seja, grandes reuniões por continente que enfrentam os problemas com autonomia. O papa quer usar este sínodo para consultar-se com os bispos e cardeais do mundo inteiro sobre como fazer passos concretos pela colegialidade.

Para concluir esta entrevista, é possível ter uma idéia do conteúdo da primeira encíclica que Bento XVI está preparando?

A única coisa que sabemos é que para o papa é muito importante a relação entre Igreja e a sociedade moderna e também entre a fé e a razão moderna. De um lado, a fé e o sentido da vida moderna, e do outro, a fé e a racionalidade científica. Esse é um problema que lhe interessa muito porque ele quer que as elites intelectuais modernas descubram a relação com a fé. Esse é um dos motivos porque ele convidou o teólogo crítico Hans Küng ao Castel Gandolfo (residência pontifícia de verão). Eles conversaram durante cerca de duas horas. Küng, enquanto teólogo, se ocupou da questão sobre como a moralidade e os valores morais podem ser compartilhados entre aqueles que crêem e os que não crêem. Além disso, como as grandes religiões mundiais podem criar uma ética útil e compreensível para o homens contemporâneos.