Título: Negociações com a China fracassam
Autor: Paulo Vicentini
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2005, Economia & Negócios, p. B1

Falhou a tentativa de acordo visando a restrição voluntária das exportações chinesas para o Brasil. Após exaustivas reuniões entre técnicos dos dois países, o ministro do Desenvolvimento, Luis Fernando Furlan, anunciou o resultado, causando visível constrangimento ao colega chinês, Bo Xilai. Mas as negociações continuam abertas. O fracasso irritou Furlan. "Não viemos para assinar um acordo qualquer", desabafou ele, assim que saiu da sala de reuniões do Hotel Beijing. Ele, que sempre frisou que o governo brasileiro iria regulamentar as salvaguardas contra produtos chineses, chegou a dizer aos chineses "esperar que a amizade entre os dois países não terminasse abalada por eventuais medidas que o Brasil venha a adotar".

Pouco depois, já recomposto, Furlan afirmou que o acordo "estava 99% fechado". A proposta brasileira já está impressa, disse a Bo, em tom de queixa. O ministro chinês, que abriu a reunião técnica dizendo que "gostaria que os convidados saíssem com algo nas mãos", foi aparentemente surpreendido pelo resultado e pela atitude de Furlan. Discretamente, dispensou o intérprete e adotou o Inglês para um raro diálogo na presença da imprensa estrangeira. "Nossos países são amigos, são problemas técnicos que podem ser resolvidos. Podemos até assinar eletronicamente", disse.

Conforme Furlan, o "acordo estava fechado enquanto Bo estava na reunião". Pouco depois de sua saída para atender a outro compromisso agendado, o vice-ministro teria retirado um produto (não revelado) da lista. "Isso atrasou tudo. Desde ontem, vínhamos afirmando que havia um tempo limitado para negociar", afirmou Furlan, cujo vôo estava programado para as 14h30 de ontem.

Mas outra versão passou a circular nos bastidores assim que a delegação brasileira saiu: que as negociações teriam sido emperradas pela incompatibilidade entre as necessidades brasileiras e os limites oferecidos pela realidade dos chineses.

O acordo têxtil, por exemplo, era tido como certo por ambos os lados. As negociações começaram a travar quando os técnicos iniciaram o debate sobre a fórmula e a terminologia empregadas num eventual acordo para a limitação voluntária das exportações de produtos chineses, como sapatos, alto-falantes e autopeças.

Enquanto a ação corresponde ao "minimamente aceitável" para a delegação brasileira, um texto mal redigido abriria espaço para idêntica reivindicação de outras nações. Para Pequim, os demais países tentariam, com base no artigo 16 das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), obter o mesmo tratamento. "Não há precedentes da aplicação do artigo 16; é um sério precedente para o comércio exterior chinês", admitiu uma fonte que preferiu não se identificar.