Título: Baradei ganha o Nobel da Paz
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2005, Internacional, p. A29

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e seu diretor, o egípcio Mohamed el-Baradei, de 63 anos, ganharam ontem o Prêmio Nobel da Paz por suas ações contra a proliferação de armas nucleares. Com essa escolha, o Nobel mantém uma tradição iniciada há 20 anos de premiar organizações ou pessoas opostas às armas nucleares em cada aniversário importante dos primeiros (e únicos) bombardeios atômicos da história. Em agosto se completaram 60 anos dos ataques a Hiroshima e Nagasaki. Em 1985, ganhou a Internacional de Médicos Contra a Guerra Nuclear e, em 1995, a organização antinuclear Pugwash e seu criador, Joseph Rotblat. Fundada em 1956, a AIEA é uma agência associda à ONU empenhada no uso pacífico da energia atômica (ler mais na página A32). A decisão do Comitê do Nobel fortalece a posição de Baradei num cargo do qual quase foi removido por causa de suas divergências com o governo americano em relação ao Iraque e Irã. Baradei questionou a posição da Casa Branca de que Saddam Hussein possuía armas nucleares e, recentemente, não endossou a posição dos EUA de que o programa nuclear iraniano tem fins militares.

A Casa Branca tentou, sem sucesso, no começo do ano impedir que Baradei fosse indicado para seu quarto mandato. Nesse contexto, a concessão do Nobel foi vista nos meios diplomáticos como uma revanche para o egípcio e um apoio a sua política de privilegiar a diplomacia sobre o confronto. "O prêmio manda uma forte mensagem: 'Continue fazendo o que você está fazendo'", disse Baradei, em Viena, sede da AIEA. "Nós continuamos a acreditar que em todas as nossas atividades temos de ser imparciais e objetivos, e trabalhar com integridade", complementou. Indagado sobre se havia uma relação entre a premiação e suas divergências com os EUA, ele foi diplomático: "Não vejo como uma crítica aos EUA. Tivemos um desentendimento antes da guerra do Iraque, um desentendimento franco. Nós poderíamos estar errados e eles poderiam estar certos."

Em Washington, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, felicitou Baradei e a AIEA pela " bem merecida honraria"

O prêmio era disputado por 199 candidatos. Consiste de um cheque de 1,1 milhão, uma medalha de ouro e um diploma, que serão entregues em dezembro em Oslo. O segundo mais cotado era o ex-presidente da Finlândia, Martti Ahtisaari, mediador do acordo de paz entre a Indonésia e os separatistas da Província de Aceh, pondo fim a três décadas de conflito.

"A AIEA e seu diretor foram recompensados por seus esforços para impedir que a energia nuclear seja utilizada com fins militares", disse Ole Danbolt Mjoes, presidente do Comitê Nobel, em Oslo. "Em uma época em que a ameaça das armas nucleares continua aumentando, o Comitê Nobel deseja enfatizar o fato de que ela deve ser enfrentada com a mais ampla cooperação internacional."

Líderes mundiais, como o presidente da França, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, elogiaram a escolha. Mas houve críticas. O grupo ambientalista Greenpeace lamentou o "papel duplo" da AIEA, de polícia e promotor da energia nuclear".

Senji Yamaguchi, de 75 anos, sobrevivente do ataque a Nagasaki, disse ter ficado desapontado. Ele é membro da Hidankyo, entidade que concorria ao Nobel porque congrega os sobreviventes dos bombardeios atômicas e luta pelo banimento das armas nucleares. Para Yamaguchi, o Comitê evitou ofender os EUA premiando as vítimas dos ataques nucleares. Em Brasília, o chanceler Celso Amorim felicitou "calorosamente" Baradei e reiterou o compromisso do Brasil (membro da AIEA), com o uso pacífico da energia nuclear.